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Chega ao fim a trilogia de balbúrdia épica da Baldúria

Ou, bom, quase isso. Porque, no nosso papo com o autor André Gordirro, ele conta que o lançamento do livro “O Império dos Mortos” encerra um ciclo mas NÃO necessariamente é o fim deste universo. Pelo contrário.

Por THIAGO CARDIM

Dia destes, no Twitter, o escritor de quadrinhos J.M. DeMatteis, responsável por clássicos como A Última Caçada de Kraven e a inesquecível Liga da Justiça da fase cômica, mandou um belíssimo recado pra quem acha que tá velho demais pra colocar uma ideia na rua. “Tenho um monte de projetos nos quais ainda estou trabalhando, muitos deles em gestação por pelo menos uma década (um deles eu venho desenvolvendo há 20 anos). Não joguem suas ideias fora, crianças. Sejam pacientes, acreditem no timing da história e creiam que este trabalho vai ver a luz do dia… eventualmente”.

Quem complementou o tweet, em bom português, foi André Gordirro, jornalista, tradutor e crítico de cinema. “Baldúria ficou na mente e em anotações desde meados da década de 1990; foram 20 anos até eu publicar Os Portões do Inferno”, contou ele. Pra quem não ligou o nome ao projeto, estamos falando de uma saga literária de fantasia genuinamente nacional publicada pela Editora Rocco e que, no final do ano passado, ganhou seu terceiro e último capítulo. Depois de Os Portões do Inferno e O Despertar dos Dragões, o sexteto de anti-heróis formado por Baldur, Od-lanor, Derek, Kyle, Kalannar e Agnor reaparece em O Império dos Mortos.

“Eu sabia qual seria o perigo final que a Confraria do Inferno enfrentaria e o desfecho, mas as ramificações e consequências foram chegando durante o processo de elaboração da trama e até mesmo da escrita”, diz Gordirro, em um papo exclusivo com o Gibizilla. Sem conseguir desfrutar de muita tranquilidade, o sexteto agora vai ter que encarar a invasão de um império de mortos. Ou melhor, um império autoritário que vive nas sombras e é capaz de erguer um exército de criaturas mortas e decide declarar guerra ao Grande Reino de Krispínia.

‘Bora dar um pouco mais de contexto

“Para a nova geração, eu falo que é o Esquadrão Suicida encontra O Senhor dos Anéis”, explica ele. “Para os idosos, o Esquadrão Classe A encontra O Senhor dos Anéis”. Tudo começou lá atrás bem no meio de uma guerra entre humanos e elfos, quando uma facção desgarrada de elfos das profundezas pretende invadir e abrir os Portões do Inferno para aproveitar o caos e soltar as trevas no mundo. Só que um grupo de párias, desajustados, criminosos e foragidos está no lugar certo e na hora certa para impedir isso — se for do interesse deles. 

O autor conta ainda que a ambientação fantástica que criou tem muito a ver com a nossa geopolítica. “Eu me inspirei muito na (eterna) crise do Oriente Médio com suas facções radicais e terroristas para representar os elfos, na opressão de ditaduras como a soviética para falar de uma cortina de ferro no mundo, na política do Big Stick americano para retratar o intervencionismo bélico do grande reino dos homens”, diz. “Enfim, basicamente, eu uso os brinquedos da fantasia tradicional para subverter a brincadeira e os cânones sisudos e conservadores do gênero. Mas, antes de tudo, é uma aventura com ritmo de aventura calcada no sexteto de protagonistas — sem jornada do herói e armadilhas narrativas fáceis”.

Isso lembra bem um papo que tivemos com o Gordirro sobre Tolkien

Um improvável grupo de campeões

Tá bom, agora que esta trupe vai travar uma luta contra vivos e mortos para salvar a própria pele e tudo que conquistaram até aqui – e o reino todo se possível, por que não? – o que dá pra esperar de novo nesta obra? “Certamente algumas reviravoltas e conclusões que EUnão esperava quando comecei a jornada lá atrás. Sempre elogiam minhas cenas de combate, então eu me cobro para que as novas sejam tão impressionantes e dinâmicas como as anteriores, e acho que entreguei isso”, confessa. “E tenho certeza de que dois combates eram inimagináveis — eu mesmo tive a ideia ao escrever”.

Agora, enquanto estas criaturas das trevas se transformam nos piores inimigos dos personagens das Lendas de Baldúria, do lado de cá das páginas tinha (e, bom, ainda tem, né) um inimigo mais palpável – uma pandemia. Isso impactou a vida do escritor entre o segundo e o terceiro livros? Ele diz que o processo, em si, não chegou a mudar. “Faço minha escaleta (Nota do Editor: instrumento de roteiro que vem logo depois do argumento, pra ajudar a construir uma estrutura mais detalhada), fico olhando o fluir das cenas e encaixes de trama, escrevo um capítulo a cada dois dias. Depois do primeiro, acho que dominei esse processo e ritmo”.

O que a pandemia estragou, DE FATO, foi o lançamento original, que teria sido na Bienal de São Paulo em 2020, comemorando cinco anos do primeiro livro, lançado em 2015. “Ficou para dezembro de 2021, e o livro ‘voltou’ para mim, após a revisão da editora, com um tempo de separação maior que os demais, mas fiz poucos ajustes mesmo assim”, conta. “Em se tratando de processo, a pandemia só atrapalhou a rotina que tive ao escrever o prólogo Traição em Zenibar, que foi ir à academia e malhar na esteira e bicicleta pensando no que escrever. Senti falta disso trancado em casa”.

Mas agora que a obra tá na rua e nas mãos dos leitores, como tem sido a reação, pergunto eu. Aliás, até adiciono – Gordirro sente que já tem o seu próprio fandom? “Ufa, tenho. Não é o mais gigante do mundo, mas são ativos no meu grupo do Telegram (fechado para os subs da minha twitch.tv/gordirro) e também na DM do Instagram, onde muitos me procuram”. O escritor diz que, curiosamente, sentiu dos leitores exatamente o choque com aquelas reviravoltas que surpreenderam até a ele mesmo. “E o povo entendeu até o papel menor que um personagem fan favorite teve — até porque outro, que ninguém apostava muito, assumiu um papel mais destacado”.


Sim, sem spoilers por enquanto, hahahahaha.

As Lendas da Baldúria acabaram. Mas a Baldúria não.

Vivendo no Rio de Janeiro, ali no Reino da Tijuca, cercado pelos felinos de nome Lando Calrissian, Elric de Melniboné, Mya e Nikki, Gordirro pretende seguir com a saga, tanto indo ao passado com prólogos cobrindo fatos que apenas menciona na história atual, como a continuação de Traição em Zenibar, que também era um prólogo, só que agora com as ramificações daquilo e de OUTRO plot que ficou aberto sendo resolvidas no futuro.

“Eu me vejo me atendo à fantasia porque é o que, imagino, eu sei fazer (bem, creio)”, diz. “Não sei se abordarei todos os personagens cuja trajetória se encerrou agora, mas vejo três deles tendo problemas imediatos no futuro. Se vão chamar os demais, ou os demais que sobreviveram, por assim dizer, só eles vão me dizer quando começar a escrever. São eles que mandam”.

Agora, sobre uma ampliação ainda maior desta ambientação, com novos livros e personagens dentro do mesmo universo, ele lembra que, se for trilhar por certas paragens que apenas receberam um nome, tipo, “a queda do Império Adamar”, então a ambientação será bem ampliada. Muito, na verdade. “Cada um desses fatos tem de três linhas a três parágrafos já alinhados, então preciso ver o que rende e, principalmente, o que me empolga a escrever”.

Uma coisa que ele reforça, no entanto é que Baldúria certamente não parou com O Império dos Mortos, mas a história está fechadinha. “Como aliás, nos livros anteriores também. Eu sempre me comprometi a contar – e conter – uma trama por livro, para não enganar o leitor. Cresci lendo aventuras autocontidas, cujos personagens viviam outras em livros futuros, mas que sempre tinham início, meio e fim no mesmo volume”. Justíssimo.

Enquanto isso, FORA dos livros, Gordirro conta que sua agente está vendo o licenciamento da obra para audiovisual. Filme, série, animação? O céu é o limite. “Da parte que me compete, já fui sondado duas vezes para quadrinhos e quero fazer um compêndio de RPG. Esse último é o mais simples porque depende basicamente de mim e, uma vez concluído, ver qual seria a melhor forma de lançar”.

Maior cheiro de Vox Machina, mas isso é FATO. Só que, por enquanto, pra ficar ligadim nas novidades, segue o Gordirro lá no Twitter.