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Cavaleiro da Lua deixa de lado este papo de que ele é o Batman da Marvel. UFA!

Assistimos aos dois primeiros episódios de Cavaleiro da Lua, nova produção “televisiva” da Marvel Studios que estreia nesta quarta (30) no Disney+, e ficamos querendo AINDA MAIS Oscar Isaac – e olha que já tem bastante

Por THIAGO CARDIM

Quando começaram a sair os primeiros vídeos da mais nova produção Marvel pro Disney+, adaptando as aventuras do Cavaleiro da Lua, foi justamente na mesma época em que se avolumava o hype pelo novo filme do Batman. Aí, foi simplesmente somar 2 + 2 e produzir diversos memes dizendo que, em março, seria a vez de vermos dois milionários psicóticos dando porrada na bandidagem pelas ruas.

Isso é só mera reprodução de uma piada que os fãs de gibis, aqueles que JAMAIS sonharam em ver este personagem obscuro dos anos 1970 ter uma série própria e ainda com ares de superprodução, diziam desde sempre – o Cavaleiro da Lua é o Batman da Marvel.

O paralelo existe, claro, pelo tom “sombrio” das histórias, pela postura de guerreiros urbanos dos dois personagens (em certo ponto, ambos praticamente anti-heróis) e por serem vigilantes cheios de traquitanas escondidos sob a alcunha de milionários playboys. Falando assim, meio que dá pra concordar com a afirmação. Maaaaaaaaaaas, nos últimos anos, no mundo dos gibis, o Cavaleiro da Lua passou por uma série de ótimos roteiristas (em especial Jeff Lemire e Warren Ellis) que deram um sabor especial ao sujeito, evidenciando as camadas sobrenaturais e de saúde mental, colocando-o num ponto bem distante do Morcegão.

Coisa que, aliás, a série do Disney+ faz AINDA MAIS. Se você vai assistir achando que é uma série dark, densa, com pura pancadaria rolando nas sombras de Nova York, vai se decepcionar BONITO. A gente aqui do Gibizilla teve a chance de assistir antecipadamente aos dois primeiros episódios e temos que te contar – a produção não poderia ser mais diferente em termos de clima e temática em comparação ao Batman do Pattinson, por exemplo. Na real, ela conversa muito mais com filmes clássicos de aventura tipo Indiana Jones, A Múmia, As Minas do Rei Salomão ou Tudo por Uma Esmeralda.

Isso significa, portanto – esquece a sanguinolência. E sim, sim, tem humor. Vai, não sofre. Tem sim piadinhas. DIVERSAS, inclusive. E isso é, de fato, uma ÓTIMA notícia.

Oscar Isaac na série do Cavaleiro da Lua

Bem-vindos ao show de Oscar Isaac

Que o protagonista da série do Cavaleiro da Lua é lindo, isso nem precisa dizer. E que ele é gente boa, tampouco. Que é um símbolo de como é possível ser um homem-referência em Hollywood sem ser o machão tosco, sem dúvida. E que é talentoso e se entrega tanto em papéis menores quanto em blockbusters como Star Wars, tá na cara. Justamente por isso, impossível que fosse diferente ver o cara brilhar e se divertir muito aqui.

Isaac rouba a cena especialmente como Steven Grant – a primeira personalidade do Cavaleiro da Lua a qual somos apresentados e que é radicalmente diferente daquela das HQs. Enquanto nas páginas originais ele é um milionário que é uma espécie de Bruce Wayne, disfarce perfeito para o combatente do crime, aqui ele é um cara tímido, inseguro, morando em um apartamento atulhado de livros em Londres e sonhando com um emprego que vá além do balcão de quinquilharias do museu. Um aficionado por cultura e mitologia egípcias, ele parece sonhar com uma vaga como guia que, infelizmente, nunca vem.

Além disso, a vida de Steven ainda é complicada por conta de suas turbulentas noites de sono. O cara se acorrenta a sua cama e cria uma série de mecanismos para evitar que saia sonâmbulo por aí, enquanto tem uns sonhos estranhos, completamente alheios à sua realidade.

Até o momento em que ele descobre, no caso, que aqueles sonhos são reais.

Porque ele passa a ter apagões e acordar em lugares estranhos, que ainda combinam com sua existência humilde, com um punhado de sujeitos mal-encarados derrubados ao seu lado como se ele tivesse coberto aquela galera de porrada. Mas como diabos ele, um cara da paz, poderia ter feito isso? É quando somos apresentados ao homem no espelho. Marc Spector, que nos quadrinhos é a personalidade dominante mas que aqui está agindo nos bastidores. A outra personalidade deste homem que sofre de transtorno dissociativo. Aos poucos, Steven vai descobrindo que Spector é um assassino, um mercenário com uma lista de pecados nas costas, um lutador voraz, especialista em armas. E também um sujeito que fez um pacto para se tornar avatar de Khonshu, deus egípcio da lua e da vingança (que, eventualmente, também faz o papel de voz cavernosa falando na sua cabeça).

Muita informação pra você? Imagina pra ele.

E então, Oscar Isaac brilha. Porque quando percebemos a diferença que ele cria na interpretação entre Steven e Marc, é mesmo brilhante. Um é inglês, o outro é americano. Um tem um olhar assustado e inocente, o outro te encara de um jeito forte e feroz. Um anda quase curvado, o outro é posudo e altivo. Tá claríssimo o quanto eles são diferentes, em especial nas cenas em que começam a conversar um com o outro, o perigo se aproxima e Marc PRECISA do controle do corpo – algo que Steven não tá lá muito disposto a ceder.

Steven Grant é gente como a gente

O mais legal é que, pelo menos nestes dois primeiros episódios, NÓS SOMOS Steven Grant. A narrativa o apresenta como uma pessoa comum que, do mais absoluto nada, se descobre ouvindo vozes em sua cabeça e completamente imerso em uma conspiração envolvendo deuses egípcios, uma seita de lunáticos e umas pessoas estranhas que afirmam conhecê-lo mas ele NUNCA viu antes. E cada uma destas descobertas, feitas aos poucos, devagarinho, a gente, do lado de cá da telinha, vai fazendo juntinho com ele. Por isso tudo se torna tão saboroso. Você não é atirado no meio de um monte de informações como se tivesse que saber tudo. E, por mais que seja uma produção Marvel, este início não te demanda ter assistido rigorosamente NADA, seja filme ou série, para entender sequer um único detalhe do que tá rolando.

Apesar do tom mais sério do que está ao seu redor, o jeito mais humano de Grant deixa tudo mais leve, gostoso, divertido. E engraçado também. Mas não do tipo que parece ser forçado, dentro de uma fórmula. O Steven Grant de Oscar Isaac soa naturalmente perdido, daquele tipo bobão bem carismático, que dá vontade de abraçar e dizer “calma, cara, tá tudo bem”. Tipo um Brendan Fraser da vida em A Múmia. Ou seja…

Entre ótimas cenas de ação, que soam frenéticas e por vezes até confusas (o que, neste caso, me parece absolutamente natural, já que elas parecem ecoar a turbulência destas duas personalidades em conflito), Marc Spector aciona o traje clássico do Cavaleiro da Lua, que é uma roupa cerimonial funcionando quase como um simbionte, que toma conta de seu corpo como faixas de uma múmia e lhe confere habilidades físicas acima do comum, como força, velocidade, resistência.

Mas, em certo momento, quando Grant está no controle do corpo, ele é forçado a convocar o tal do traje. Mas, ao invés da roupa com capa e capuz, o que pinta é o terno e gravata brancos, obviamente mascarado, tudo impecável, do chamado Sr.Da Lua. O visual, que já era incrível quando surgiu em tempos recentes nos gibis, funciona lindamente na telinha e, ao invés de ser tratado como mais uma personalidade do herói, de alguma forma ele está conectado com Grant, o que torna a coisa mais acessível ao público final, mais fácil de entender, dando contornos ainda mais claros para as duas personalidades.

Senhoras e senhores, o vilão

Bom, nestes episódios iniciais, somos apresentados também ao vilão, Arthur Harrow, interpretado por Ethan Hawke. E se o Cavaleiro da Lua é, originalmente, o que se pode chamar de herói B, o que dirá de Harrow – que é no mínimo um vilão classe C nos gibis. Um cientista louco genial, cirurgião brilhante indicado ao Prêmio Nobel, com metade do rosto paralisada, sentindo dor constante e responsável por experimentos de moral bastante duvidosa.

Mas na série, a parada é totalmente outra. Esquece isso tudo aí, sobrou só o nome. O Harrow aqui é o carismático líder de uma seita dedicada à deusa Ammit, uma espécie de carrasco do panteão egípcio, que pune aqueles julgados pela balança de Osiris. Ele é calmo, pacífico, fala mansa, uma espécie de Steve Jobs místico, que inspira aqueles ao seu redor com discursos sobre o futuro. Mas seu poder, utilizado através de um cajado com uma cabeça de crocodilo (forma da divindade que ele cultua), lhe permite enxergar se uma pessoa já fez ou se AINDA vai fazer algum tipo de mal no futuro. Então, como uma espécie de Minority Report celestial, ele assume o papel de juiz, júri e executor e absorve suas energias até matá-la.

Além de uma interpretação contida de Hawke, que parece o tempo todo querer ser o doce líder inspirador mas segura um demônio dentro de si nos olhos pegando fogo, todo o conceito por trás do vilão – em busca de um determinado artefato que vai ajuda-lo a realizar um objetivo grandioso, como era de se esperar – permite uma discussão bastante interessante aí. Sobre julgamento, sobre culpa, sobre mitos e falsos líderes. E parte dela já acontece próximo do final do episódio 2, quando Steven sente o medo que Harrow consegue causar mas, mesmo assim, questiona todo este processo. “Sério que ninguém aqui tem nada contra matar crianças?”, diz, tentando minimamente traçar limites na loucura.

Digamos que parece algo bastante apropriado para discutir nos dias de hoje.

Da nossa parte, ficamos ansiosos para ver, nos próximos episódios, mais interações entre Grant e Spector, mais momentos do Grant como Sr. Da Lua, e MUITO ansiosos para entender o quanto o toque do diretor Mohamed Diab, que é egípcio, vai ser fundamental no retrato do personagem em contato com a cultura local, evitando os olhares cheios de preconceito e estereótipos de outras produções de heróis (sim, Mulher-Maravilha 1984, tamos falando com você).

De resto, fica aí com uma canção que poderia estar na trilha da série APENAS PORQUE SIM.