Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Os Melhores Gibis de 2021

Teve muita, mas MUITA coisa boa rolando nas bancas, nas lojas especializadas – e, definitivamente, fora do circuitão Marvel & DC de sempre. Aliás, nem super-herói tem aqui. E tá tudo bem.

Por THIAGO CARDIM

Já disse por aqui e por ali algumas vezes mas vale repetir e reforçar – nos últimos 5 ou 6 anos, eu comecei a ler muito mais gibis nacionais do que antes. Tipo, muito MESMO. Nunca larguei os heróis, obviamente, Marvel e DC continuavam e ainda continuam fazendo parte integrante da minha rotina de leitor. Só que o olhar mudou. Passei a ser menos obsessivo por determinados personagens (à exceção do Homem-Aranha, mas aí é outra conversa) e mais focado em histórias de determinados autores. Bendis escrevia, eu tava comprando. Tom King, também. Matt Fraction, igualmente. Ed Brubaker idem. Bruno Redondo e David Aja desenharam, toma meu dinheiro. E por aí vai.

Além dos brasileiros, que viraram meu foco também nos sites para os quais eu escrevia em perfis e entrevistas, comecei a ler umas outras paradas fora do circuitão americano. E aí comecei a mergulhar nos argentinos, italianos, espanhóis. Um tiquinho de mangás, algo de coreanos. Me provocando, ousando um pouco mais, indo pra lados mais experimentais, chacoalhando a minha cabeça com narrativas fora do padrão. Histórias de gente. O resultado foi que acabei ficando até mais exigente com os meus próprios super-heróis, o que é uma coisa ÓTIMA.

Esta minha lista de favoritos do ano, espero, reflete um pouco de tudo disso.

Em tempo – a gente publica, lá no nosso Instagram, nos Stories, os gibis que estamos lendo no momento. Nos destaques, deixamos fixo um espaço com estes registros de leitura. E no Pinterest, tem lá o board com as artes das capas de cada uma destas HQs.

Ah! Isso NÃO é um ranking, tá? Os favoritos estão aqui sem ordem definida, propositalmente misturados. Apenas porque sim.

—————–

Confinada
Esta compilação dos capítulos da webcomic da dupla Triscila Oliveira e Leandro Assis é indispensável para quem quiser entender a pandemia no Brasil. Talvez seja dos mais fortes e certeiros registros do momento pelo qual AINDA passamos no nosso país, com a condução irresponsável de uma crise sanitária por parte de um governo sanguinário escancarando ainda mais as feridas já abertas da desigualdade social. Pra rir, pra chorar, pra se emocionar.

Incognegro
Escrita por Mat Johnson com arte de Warren Pleece, esta HQ pode ser antes de tudo descrita como “incômoda”. Se você é branco, pois que te incomode mais ainda. Pois fala sobre os afroamericanos de pele mais clara que, em plena época dos linchamentos, conseguiam passar “despercebidos” pelos racistas. Ela é ambientada nos anos 1930, mas poderia tranquilamente se passar HOJE. Um mundo em que os integrantes da KKK e afins voltaram a andar por aí orgulhosos de serem o lixo humano que são.

Buscavidas
A dupla Carlos Trillo e Alberto Breccia, dois nomes consagrados dos quadrinhos argentinos (por mais que o Breccia tenha nascido no Uruguai, mas você me entendeu), traz a história de um fanático por histórias. Um colecionador de confidências. E por meio deste traço experimental e por vezes bastante estranho, vamos nós mesmos nos tornando espectadores de determinadas situações que nos fazem sentir até incomodados por ouvir certas questões em primeira mão…

Stucky Rubber Baby
A história em quadrinhos de estreia do cartunista Howard Cruse finalmente chegou ao Brasil – e, em seu traço delicado e detalhista, reticulado e com tanto a dizer nas pequenas coisas, ele faz uma história com tons de autobiografia sobre sua luta para assumir sua sexualidade em meio a uma sociedade que ainda tinha (e tem) que lidar com o racismo, em pleno momento de amadurecimento e efervescência dos movimentos pelos direitos civis nos EUA.

O Cão da Encruzilhada
Um conto sobre o homem que se tornou o nome mais importante do blues, que influenciou o rock de muitas maneiras, que inaugurou tristemente o chamado “clube dos 27” (reunindo artistas que se foram precocemente aos 27 anos). E cuja vida esteve cercada de lendas a respeito de um suposto pacto demoníaco. Lindíssimo traço, refinado projeto gráfico, uso primoroso da cor azul numa história P&B.

Isolamento
Um baita exercício de jornalismo, de uma forma ou de outra, mesmo com toda a questão do humor envolvida. Junto com “Confinada”, é registro máximo deste momento que vivemos no Brasil nos últimos dois anos. Uma tirinha seriada publicada via Instagram e que acabou financiada para virar livro impresso, sobre os microcosmos de cada apartamento de um prédio – e sobre como as pessoas lá dentro, muito diferentes entre si, lidaram com as dores, a perda, o confinamento… Bati um papo com a autora sobre isso, aliás.


Tangências
Eu ainda não conhecia a obra do autor espanhol Miguelanxo Prado (eu sei, eu sei) – e com este lançamento da Conrad, tive uma introdução de gala, com uma obra madura e sentimental colecionando diversas pequenas histórias sobre relacionamentos. Aliás, mais do que isso, sobre rompimentos. Um trabalho simplesmente espetacular.

Carniça e a Blindagem Mística
Ah, minha gente. O que falar do Shiko? Ele coloca muito quadrinista gringo pros quais a galera paga um pau tremendo NO CHINELO. O traço dele é poderoso, cheio de movimentação, com um estilo próprio e único. E ele ainda conta uma história, baseada em diversos relatos e reportagens da época, a respeito do papel das mulheres no cangaço. Sobre o quanto a polícia e os próprios cangaceiros as tornavam menores e elas cresciam, assumiam uma postura, levantavam a cabeça e a lâmina da faca. Aguardando ansiosamente o terceiro e último capítulo.


Arlindo
O traço cartunesco divertido e as cores vibrantes da Ilustralu (Luiza de Souza), tudo adornando uma narrativa repleta de referências aos anos 2000, não podem esconder a história ao mesmo tempo terna e triste de um garoto tendo que lutar para entender sua sexualidade em meio a uma pequena comunidade repressora e cheia de preconceitos. Chorei.

umahistória
Chegou arrebentando e entrou disparado na minha lista de melhores do ano. O italiano Gian Alfonso Pacinotti, mais conhecido como Gipi, esbanja maestria narrativa ao entrelaçar histórias aparentemente sem sentido numa pegada onírica, com diferentes técnicas de desenho, te mostrando que de fato era mesmo uma única trama – só que cheia de detalhes e camadas. Para ler e reler algumas vezes, para pegar cada pequena sutileza.

—————–