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Machado de Assis ganha vida eterna nos gibis com uma pitada de horror

Marcel Bartholo adapta conto curto do escritor para a editora Ultimato do Bacon, assumindo também a faceta de roteirista

Por THIAGO CARDIM

Quando a gente fala em Machado de Assis, imediatamente pensamos em suas obras mais icônicas, como Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas o carioca, considerado por muitos como o maior nome da literatura brasileira, tem uma produção extensa com uma dezena de romances, além de coletâneas de contos, poesias, peças de teatro e afins. Uma destas pequenas pérolas, por exemplo, é A Vida Eterna, um conto publicado no ano de 1870.

Publicada sob o pseudônimo de Camilo da Anunciação, com Machado ainda no começo de sua carreira, a obra saiu nas páginas do Jornal das Famílias, um periódico que circulava no Rio de Janeiro tendo em vista o público feminino. E justamente por se tratar de uma história de terror que surge a partir de uma premissa cômica, era natural que ao se pensar numa adaptação para os gibis, a escolha fosse por um traço estilizado, quase cartum, mas que ao mesmo tempo tenha contornos assustadores.

A escolha de um cara como Marcel Bartholo parecia, portanto, mais do que óbvia. E é ele que vai estampar a mais nova edição da revista Escafandro, da editora Ultimato do Bacon, já devidamente custeada via financiamento coletivo. Primeira grande iniciativa da UB, empresa derivada do site de cultura pop de mesmo nome, Escafandro é uma publicação bimestral na pegada de HQ pulp (que a gente te explicou o que é BEM AQUI) que traz histórias fechadas, completas em cada edição, mergulhando em diferentes gêneros como terror, ficção científica, aventura, mistério e humor.

Eu e Machado, Machado e eu

“É quase um Contos da Cripta, só que com a ironia mordaz do Machado e certa ambiguidade de seus personagens”, explica Marcel, em papo com o Gibizilla. Ele explica que a trama trata de dois velhos amigos que, em meio a um reencontro, são interrompidos pela chegada de um estranho. “Este novo personagem tem uma proposta indecorosa para nosso personagem principal, ‘Case com minha filha…AGORA!’. Bom, o estranhamento da situação vai se desenvolvendo numa escalada que mais parece um pesadelo esquisito em muitos momentos”.

Como Marcel estava envolvido com adaptações literárias para os gibis, ele acabou descobrindo A Vida Eterna em uma antologia do autor – e como já tinha selecionado alguns contos para um projeto que não virou, inclusive já tinha até feito o roteiro desta HQ em específico quando surgiu o convite da UB. Pois é, desta vez, o artista trabalhou sozinho, do começo ao fim. “Até então, vinha trabalhando sempre com parcerias. Havia já me planejado a começar a também roteirizar algumas obras e a ideia era começar com adaptações literárias mesmo, só que acabou acontecendo mais rápido do que eu esperava”, explica ele. “Em 2020 e começo de 2021 eu trabalhei numa adaptação de Noite na Taverna de Álvares de Azevedo, e foi uma GRANDE experiência para mim”.

O processo dele funcionou assim: primeiro ler umas três vezes o material fonte, daí tentar fazer um resumo da obra, um fichamento, só que com linguagem informal. “Depois releio a obra grifando e separando os acontecimentos-chave e cenas que não podem faltar. Daí vem o roteiro propriamente dito já com os esboços página a página”, conta. “Depois de ter o ritmo acertado da obra, posso desenhar com calma e redefinir a versão final do que entrará em forma de palavras. Isso tudo regado a MUITO café!”.

Marcel explica que optou por se manter muito fiel ao texto e sua ambientação de época, mas traduzindo a maior parte do texto em imagens – e sempre com um traço BEM estilizado, trazendo cores vibrantes para criar um contraste e deixar a coisa toda mais dinâmica. “Os diálogos são basicamente os criados por Machado, este conto em especial tem uma linguagem muito fácil, então não tive nenhum problema na adaptação”.

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Curiosamente, este é um material que caminha muito na praia do próprio Marcel – que é, de fato, algo que normalmente associamos à obra de Machado. “Mas ele possui alguns belos exemplares de terror em sua produção, como Causa Secreta e Um Esqueleto, por exemplo, histórias que até penso em trabalhar em algum outro momento. O horror que Machado trabalha está justamente na nossa sociedade. No caso de A Vida Eterna, uma alta sociedade, completamente desconectada da realidade e com egoísmo atroz”. Puro horror, temos que concordar.

Ele relembra ainda que, nos materiais publicados no Jornal das Famílias, Machado conseguia inserir críticas sociais de maneira muito irônica. “Aqui, a ‘brincadeira’ é justamente mostrar o absurdo de casamentos arranjados, na maioria das vezes com diferenças abissais de idade… Só que usando elementos absurdos e inversões de ponto de vista”. E ele ainda insiste que, na maior parte das publicações deste periódico, Machado precisava dar uma aliviada nos finais, mas o próprio Marcel acabou optando por mudar e deixar algo mais aberto a interpretações.

O quadrinista acredita que BOAS adaptações para quadrinhos podem ser benéficas TANTO para atrair leitores para a literatura QUANTO para atrair novos leitores de quadrinhos. “O importante é entender que histórias boas precisam ser contadas e recontadas sempre! Um problema muitas vezes encontrado em adaptações literárias é cair na armadilha da redundância, mesmo que sejam belamente ilustradas. Estamos num país onde se lê muito pouco – e tornar a leitura uma atividade mais acessível, interessante e divertida é nossa obrigação”.

Concordamos SUPER, bicho.