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Cláudia Lemes e um thriller para dizer “até logo”

Escritora lança “Quando os Mortos Falam”, livro de puro entretenimento para fãs de suspense e horror, pausando sua carreira literária temporariamente para poder focar em sua própria editora

Por THIAGO CARDIM

Aos 41 anos, casada e mãe de três filhos, Cláudia Lemes era uma leitora compulsiva desde os 6 anos de idade. Nascida em Santos/SP, terra natal também deste que vos escreve, ela morou no Rio de Janeiro, Torrance (cidade californiana próxima de Los Angeles), Cairo (em meio à Guerra do Golfo) e São Paulo, mantendo sempre viva a paixão pelos livros. Conheceu muitas culturas, muita gente, mas trabalhou inicialmente como professora de inglês, coordenadora de cursos de idiomas, tradutora e intérprete.

Somente aos 33 anos, em 2013, é que nasceria a sua verdadeira persona, aquela que melhor a representaria – a de escritora. Primeiro em inglês, totalmente independente, com The Woodsons, pontapé inicial de uma trilogia sobre a saga de morte e tradição de uma família. “A partir daí, minha escrita chamou a atenção dos leitores, e passei a publicar também por editoras tradicionais”, contou ela, em entrevista exclusiva aqui pro Gibizilla. Entre suas publicações, ela costuma destacar, aí já em português, títulos como A Segunda Morte de Suellen Rocha (2020), Cartas no Corredor da Morte (2019), Inferno no Ártico (2018), Um Martini com o Diabo (2016) e Eu Vejo Kate (2015).

Tudo sempre nesta pegada mais policial, suspense, terror – o que, NÃO POR ACASO, a faria criar a ABERST, Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror, assim como o Prêmio ABERST de Literatura.

Agora, a Cláudia está lançando, pela AVEC, uma nova obra, batizada de Quando os Mortos Falam. “É meu livro de ‘despedida’, pelo menos por alguns anos, já que estou pausando a carreira de escritora para poder focar na editora”, explica ela. A editora, no caso, é a Rocket Editorial, iniciativa que ela abriu dedicada a publicar autores nacionais de literatura de gênero. “Para essa despedida, eu quis me divertir durante o processo de escrita, e entregar um livro de puro entretenimento para fãs de thrillers e horror, misturando o que eu mais gosto dos dois gêneros”.

Mas o que os mortos falam mesmo?

A história se passa em São Paulo, capital, em 2019, pouco antes da pandemia, e foca em dois investigadores da polícia civil. A primeira deles é Verena Castro, aposentada, que tem síndrome do pânico e depressão por ter perdido a filha em um homicídio que nunca foi solucionado. O outro é seu melhor amigo, Caio Miranda, que está investigando um homicídio bizarro na zona sul. “Juntos, eles vão descobrir que existe um maníaco na cidade, matando pessoas de forma a replicar cenas famosas de filmes clássicos de horror”, conta a autora. “O livro é essencialmente policial, mas com boas doses de horror sobrenatural e slasher”.

O gosto por tramas repletas de adrenalina veio desde cedo, quando Cláudia ganhou de presente o livro O Pequeno Vampiro, quando tinha entre 7 e 8 anos de idade. “Depois disso, apesar de ler de tudo, minha zona de conforto sempre foram os livros de horror e os policiais”. Hoje, ela acaba consumindo absolutamente tudo. “As pessoas ficam surpresas quando veem John Green ao lado de Clive Barker na minha estante, ou As Brumas de Avalon lado a lado com João Ubaldo Ribeiro. Não tenho preconceitos literários, embora não seja apaixonada por romances de época, por exemplo”.

Embora tenha passado por sua fase de obcecada por true crime, depois de 15 anos estudando e escrevendo sobre serial killers, ela preferiu dar dando um tempo no gênero para dar um reset na saúde mental. “Estou num momento de ler coisas estranhas, como o subgênero ‘bizarro’, com autores como Chandler Morrison e Violet LeVoit, minha nova queridinha. Para quem lê em inglês, recomendo I Miss the World e I’ll Fuck Anything that Moves and Stephen Hawking”. No som, toca rock, entre coisas pesadas e baladinhas anos 1980. E na TV, que não é muito a praia dela, a escolha acaba sendo por thrillers, horror e filmes de ação (“amo Duro de Matar, tudo com explosões, fórmulas prontas, frases de efeito e tudo o que desafia as leis da física”).

Um verdadeiro turbilhão de referências, portanto.

Literatura de gênero no país

Sobre a recepção do público brasileiro a produções brasileiras do tipo, Cláudia – hoje tanto autora quanto editora – aposta que o leitor consome o que tá no hype, porque ele fica curioso. “Se todo mundo está lendo Verity (da escritora Colleen Hoover) e falando sobre o livro, é claro que o leitor vai ter vontade de ler. E assim acabamos consumindo os best-sellers gringos, mas se as editoras brasileiras investissem no marketing de obras nacionais, conseguiríamos o mesmo hype”.

Ela lembra que este investimento deu certo, por exemplo, com um escritor especializado em literatura policial chamado Raphael Montes – que, junto com Ilana Casoy, fez Bom Dia Verônica, aquele mesmo que se tornou série no Netflix. “A (editora) Cia das Letras investe no marketing e na distribuição dos livros dele. Conheço muitos autores de thrillers e horror que mereciam o mesmo tipo de fama, mas a entrada nas editoras depende de muitos fatores, além da qualidade da escrita”, afirma. “Infelizmente, nosso mercado é burro, desperdiça talentos, e perde autores bons, que ficam desmotivados. A culpa não é do leitor, ele lê o que chama o seu interesse. Precisamos de mais visibilidade dentro das editoras médias e grandes”.

Tá aí o recado, direto e reto.

Como eu escrevo e como você pode escrever

Cláudia reforça que gosta de escrever sobre pessoas reais – e que odeia tanto heróis quanto mocinhas. Justamente por isso, apesar de saber que, em suas obras, as mulheres que quase sempre são protagonistas são igualmente tridimensionais, do tipo que não eram lá muito comuns nas produções do gênero até algum tempo, ela pontua que não faz um esforço consciente para torná-las “fortes” ou perfeitinhas. “Elas são falhas, mas sempre resilientes, porque esse é o exemplo que tenho de mulheres ao meu redor”, completa.

Ela ainda relembra que existe inclusive uma pressão para que se escreva uma “protagonista forte”, coisa que já virou até piada entre criadores, mas ela em particular curte retratar mulheres que nem sempre conseguem superar seus traumas. “Como minha personagem Kate, de Eu Vejo Kate, e algumas que, embora fortes, estão em modo sobrevivência, como a Mariana de A Segunda Morte de Suellen Rocha”. No fim, sua parte preferida de escrever é criar personagens – e isso obviamente também inclui homens. “Eu tento desligar o ativismo quando escrevo, mas claro que, qualquer obra com o mínimo de existencialismo e crítica social, escrita por uma mulher, acaba sendo percebida como uma obra feminista. É natural. Mas não é consciente”. E embora tenha inclusive sofrido críticas em dados momentos, ela acha que não tem como errar quando escrevemos honestamente sobre pessoas e como elas realmente são. “O resto é barulho”.

Agora, e para quem ainda tá tentando se lançar, um jovem autor ou autora, o que a Cláudia Lemes, que já publicou com editora, já publicou independente, acha que ele precisa ter ou aprender? “Minha maior dica é estudar, em primeiro lugar. Estude, trabalhe na sua escrita, encontre sua voz, comprometa-se com a qualidade do que escreve”, aconselha a autora. “Em segundo lugar, não se deslumbre e não foque em ‘publicar com uma grande editora’ como linha de chegada. Não existe linha de chegada. Existe escrever e publicar, escrever e publicar, escrever e publicar. Fazendo isso, você encontra seu público, seu público encontra você”. 

Agora, mais especificamente pra quem quer ir nesta pegada de tensão que caracteriza as obras da Cláudia, ela lembra que um bom thriller precisa ter risco em tempo real: alguém precisa estar correndo risco. “Uma história contada após os eventos, pode ser um bom suspense, mas não será um thriller”. Outra regrinha importante é que um thriller precisa ser pessoal. “Ninguém está lendo pela investigação; a investigação é uma desculpa divertida para vermos personagens serem desafiados, sofrerem, encararem seus medos. Ninguém se importa com a próxima vítima se essa vítima não é alguém interessante para nós e alguém amado pelo(a) protagonista (ou o próprio)”.

Para finalizar, ela sugere ficar de olho na AMBIENTAÇÃO. Ou seja, não só com QUEM acontece, mas ONDE acontece. “Os autores iniciantes esquecem disso. Escolher um lugar que potencializa as emoções que você quer criar, além do lugar perfeito para cada cena, faz uma baita diferença no produto final”.

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