WandaVision e o “drama” recorrente das teorias de fã
Quando uma ideia de roteiro aparentemente funciona na SUA cabeça mas nem sequer passou pela mente dos roteiristas de uma série, digamos que ficar frustrado com o resultado final diz mais sobre VOCÊ do que sobre a série em si
Por THIAGO CARDIM
Olha só, vamos começar este papo aqui já deixando uma parada bem clara – não, minha gente, a Marvel não é à prova de balas. Vocês nunca vão me ouvir dizer isso. Para este que vos escreve, não é só porque é Marvel que é incrível, uau, 10/10. Não, não e não.
Na real, no embate entre as adaptações para cinema das duas editoras, a maior inimiga da Casa das Ideias não é a DC Comics, mas sim ela mesma. O estúdio comandado por Kevin Feige é capaz de cagadas homéricas como Vingadores – A Era de Ultron, por exemplo (que fica PIOR pra mim cada vez que reassisto).
E igualmente de filmes mais, sei lá, blé, medianos, meio achatados e esquecíveis, como os primeiros dois do Thor, aquele do Doutor Estranho (verdade, não me odeiem), Homem de Ferro 2 (porque, neste site, amamos Homem de Ferro 3 e quem não concorda está simplesmente errado) e mesmo Guerra Infinita (que, pra mim, é uma bagunça que só funciona pelo arco dos Guardiões e do Thor).
Estabelecido isso, portanto, onde eu acho que a Marvel DE FATO acerta?
Nas produções em que ela SE PERMITE. Em que ela se solta. Em que ela brinca com gêneros.
Como quando deixa o James Gunn fazer uma space opera cheia de humor e música pop como Guardiões da Galáxia. Ou quando abre as portas pros irmãos Russo desenvolverem um thriller de espionagem em Capitão América – O Soldado Invernal. Ou quando solta as amarras do Peyton Reed para um daqueles filmes de roubo, heist movies, que resultou em Homem-Formiga. Ou ainda quando abre as portas pro Taika Waititi fazer o que bem entender em Thor – Ragnarok. Este é o caminho do sucesso.
Desta forma, apesar de eu estar absolutamente na pilha por outras das séries da Marvel Studios pro Disney+ como a do Gavião Arqueiro (um dos meus personagens favoritos e ainda inspirada no maravilhoso arco do roteirista Matt Fraction) ou da Mulher-Hulk, confesso que os primeiros vídeos de WandaVision me pegaram de jeito. Porque, de fato, era a Marvel DE NOVO se deixando brincar. Uma série falando de séries, homenageando momentos de várias décadas da televisão, com camadas de metalinguagem… Pô, tá aí, isso era algo que eu queria MUITO ver.
Assim sendo, eu gostei DEMAIS do começo de WandaVision. Muito mesmo. I Love Lucy, A Feiticeira, Malcolm in the Middle, tinha pra todo mundo. Não, não faço parte, nem de longe, do time de reclamões que queriam mais lutinhas e superpoderes. Caguei pra isso. Pra ser até completamente honesto, confesso que fiquei meio frustrado conforme a trama foi indo para um lado, digamos, mais “tradicional”, saindo do mundinho manipulado pela Wanda e amarrando com o que tava rolando do lado de fora. Eu queria mais piração, humor, referência a outros tipos e formatos de séries. Queria mais tempo DENTRO de Westview.
Mas, enfim, o fato é que a série foi como foi e eu gostei bem do resultado final, apesar de algumas discordâncias. Achei bem amarrada – e, principalmente, bem acertada ao trabalhar a narrativa pra si mesma. Porque um dos grandes perigos desta coisa toda de “universo compartilhado” é quando uma história usa isso como muleta. Quando o filme ou a série trabalham não para serem uma boa história com começo, meio e fim, mas sim para serem capítulos que conectam algo maior. Esta foi, conforme já falei por aqui, uma das maiores cagadas na trajetória de Agents of SHIELD, por exemplo. E na quarta temporada, aquela dos arcos/pods, do Motoqueiro Fantasma, quando FINALMENTE se soltou destas amarras, Agents foi BRILHANTE.
Wandavision acertou, ainda que esteja longe de ser uma série perfeita, por saber a história que queria contar e seguir com ela até o fim. Era uma história sobre a Wanda, mais até do que sobre a Feiticeira Escarlate. Era uma jornada sobre o luto, este sim o principal vilão. Claro que as referências estavam lá, claro que a gente viu as conexões, as menções aos Vingadores, ao blip do Thanos, tudo isso. Mas como detalhes, como pano de fundo, como complementos. Que, se a gente fosse limpar, se a gente fosse arrancar da história, simplesmente não atrapalhariam EM NADA. O que você precisaria saber para entender Wandavision, tenha gostado você ou não do resultado, estava ali e ponto. Não precisava ter visto outros 10 filmes.
E também não precisava ter participação especial de Doutor Estranho, de Magneto, de quem quer que seja. Porque isso tiraria o foco da Wanda, uma personagem incrível tratada até o momento como uma Jean Grey genérica e que finalmente estava ganhando o merecido espaço em tela.
E aí, claro, chego ao espaço que tiveram na história as já famigeradas teorias de fã.
No caso de uma adaptação de gibi da Marvel ou mesmo da DC, elas costumam surgir principalmente das cabecinhas de quem já é leitor dos gibis originais há muito tempo. Acontece alguma coisa, aparece um pequeno detalhe no fundo da tela, pinta um coadjuvante de nome suspeito, e lá vem um festival de “putz, porque no arco X publicado em 1900 e guaraná com rolha, aconteceu isso e aquilo, CERTEZA que eles vão adaptar esta parada, espera só”.
E a gente fica lá, só esperando. Quer dizer, eu não, pelo menos. Mas o que tem de gente que fica, olha…
Porque veja só – desde a época do JUDÃO.com.br, a gente tinha uma regra clara que era “gibi é gibi e filme é filme”. Porra, claro que é legal ver as histórias transpostas pras telonas (ou, neste caso, telinhas), temos décadas e mais décadas de possibilidades e referências pros roteiristas trabalharem. Mas o ponto é que, ainda que sejam os Vingadores, os X-Men, o Homem-Aranha, ainda são eles numa outra plataforma. Em uma outra história. Que pode se inspirar no original mas que não DEVE ser uma cópia. Que DEVE, isso sim, fazer as mudanças que bem entender para que funcione melhor dentro daquele contexto e naquela plataforma, para um público muito mais amplo do que só quem lê gibi.
A merda num caso como o de WandaVision é que as teorias de fãs podem, inclusive, ESTRAGAR a experiência final. O exemplo do Mefisto, o diabão dos gibis que teve relação direta com a história original em que a Feiticeira Escarlate “cria” seus dois filhos, é emblemático. Era Mefisto pra lá, pra cá, olha ali o Mefisto, fulano é o Mefisto, tudo era manipulação do Mefisto… e quando o Mefisto nem sequer deu as caras ou tampouco foi mencionado, frustração geral. Mas frustração geral com a série ou por ter errado a sua teoria?
O mesmo vale pro Pietro, aka Mercúrio, irmão velocista da protagonista. Morto em Era de Ultron, ele reaparece só que interpretado pelo ator que viveu o herói nos filmes dos X-Men, na época em que eram propriedade da Fox. Podia ser só uma brincadeira, só uma referência, mas aí a turma das teorias de fãs já começou a ELOCUBRAR que a Marvel tava juntando todos os universos, transformando os x-filmes do estúdio da raposa em cânone, multiverso, aquela coisa… E nada. Quando viram que não era isso, mas apenas um moleque que teve a vida roubada (e com um rosto familiar que causou uma confusão tão grande no espectador quanto na própria Wanda, uma tacada genial), outra rodada de frustração pros fãs.
Se, ao invés de curtir o que a série tem planejado pra você, enquanto espectador, tudo que você consegue é ficar fazendo exercício de futurologia e ficar puto quando a série não entrega o que VOCÊ estava planejando enquanto roteirista amador, dá pra dizer que o problema não é da série. Seja ela Game of Thrones, Lost, Arquivo X ou Grey’s Anatomy. O problema tá no carinha que assiste…
E aí já aparece a turma do “eu sabia que a vilã era esta vizinha aí, que óbvio, que chato, minha teoria era muito mais legal”. Sendo que pra MUITA GENTE, uma maioria esmagadora de fãs do MCU que não são leitores de quadrinhos, a referência da Agatha Harkness simplesmente não existia. As mesmas pessoas, aliás, que genuinamente se surpreenderam quando descobriram que o Mysterio era um enganador de mão cheia no último filme do Homem-Aranha – ah, tá bom, você lê os gibis, já sabia que ele é um baita dum mestre do caô. Mas e daí? Meu filho, por exemplo, não só se surpreendeu como curtiu horrores. Tanto no caso do Mysterio quanto no caso da Agatha.
Eu falei lá em cima a respeito do JUDÃO e resolvi relembrar um ótimo texto do Borbs, nosso editor-chefe, a respeito das teorias envolvendo Westworld. “Desde quem é Arnold às intenções de Bernard, passando por linhas de tempo diversas, a galera tá tentando responder às questões que a série tem proposto”, diz ele. “Não seria problema nenhum, se as tais teorias não fossem replicadas como as grandes descobertas do mundo, o que invariavelmente acaba influenciando quem assiste à série e gostou daquela ideia, já que tudo passa a ser motivo pra (tentar) encaixar aquele pensamento naquele quebra-cabeças, muitas vezes desviando do que realmente importa”.
Borbs não passa frio pois está coberto de razão.
WandaVision me entregou o que realmente importa, que foi uma experiência incrível, bonitinha, bem-feita, bem costurada. Não foi genial, brilhante, a última bolacha do pacote, mas de verdade, quem caralhos tava esperando isso?
Discutir teorias com os amigos no WhatsApp ou no Twitter, muito que bem. Faz parte do jogo. Mas tornar isso o objetivo de curtir uma série, um filme, um gibi, transformar a SUA teoria em protagonista, vai com certeza tirar a graça do processo como um todo. E se quiser reclamar com alguém, diacho, que seja com você mesmo na frente do espelho.
E que venha agora o Falcão com o Soldado Invernal. Vamos ver quanto tempo até que comecem as teorias de “certeza que isso tudo é uma armação do Caveira Vermelha”. Quer apostar? ¯\_(ツ)_/¯