Os 25 anos da obra máxima do Sepultura
O disco mais importante da trajetória da banda brasileira faz aniversário – que tal relembrarmos um pouquinho dos motivos de sua importância, hein? \m/
Por THIAGO CARDIM
Tenho certeza que os fãs das antigas podem ficar enfurecidos e vociferar contra este humilde escriba por ter colocado Roots, justamente ROOTS dentre todos os discos do Sepultura, sob o título de “obra máxima”.
Calma que eu explico: tudo bem, você pode argumentar que Arise ou principalmente Chaos A.D. são as bolachas que, de fato, alavancaram o grupo brasileiro ao estrelato metálico mundial, mexendo com os ouvidos dos fãs gringos. Concordo, tudo bem. E sei também que o que não falta é fã do Sepultura que simplesmente ODEIA este disco.
Além disso, depois de Kaiowas, faixa acústica do álbum anterior, Max quis ir além. Inspirado no ótimo filme Brincando nos Campos do Senhor (de 1991, dirigido por Hector Babenco), em que missionários americanos tentam converter índios ao cristianismo, o frontman teve uma ideia. “A parte do filme em que Tom Berenger se lança de paraquedas [para cair na aldeia] me deu a ideia para Roots. Pensei: ‘Vamos lá gravar um disco com a tribo. Seremos a primeira banda a fazer isso'”, diz Max, em sua biografia, My Bloody Roots.
Conseguiu convencer a gravadora Roadrunner Records a apoiar um projeto de imersão nas sonoridades indígenas – e com a grana garantida, bateu um papo com a jornalista Angela Pappiani, do Núcleo de Cultura Indígena, para tentar intermediar a incursão. O primeiro plano era trabalhar com os caiapós, mas depois de ouvir uma canção dos xavantes em um festival em Nova York, a banda optou por esta segunda tribo. O fato dos caiapós serem considerados pouco “receptivos” só contribuiu…
Angela mostrou o som do Sepultura para os índios, que aceitaram receber o quarteto, o produtor Ross Robinson e Gloria, esposa de Max e empresário do grupo. Durante três dias na região de Camarana, no Mato Grosso , eles não apenas ouviram e fizeram música, como também tiveram os corpos pintados, comeram refeições típicas, dançaram, jogaram futebol, tomaram banho de rio…
“O que o Sepultura fez foi muito inovador, e ninguém mais fez dessa forma. A decisão deles de ir lá, de não samplear, mas construir um trabalho junto, foi muito inovadora”, afirma Angela, em entrevista ao UOL. “E houve um esforço muito grande em tudo. Sentimos resistência da gravadora, foi um processo de quase um ano do contato do Max até a ida à aldeia. E tudo o que aconteceu lá foi muito forte, marcou todo mundo, marcou o pessoal da aldeia, eles lembram e comentam até hoje”.
“Foi um choque cultural para os dois lados. Mas foi tudo muito tranquilo, bom para todas as partes, porque todos deram o coração e se empenharam para fazer daquela uma boa experiência”, relembra Cipassé, líder dos xavantes. “Eles nos falaram que tinham esse sonho, de gravar com os índios e queriam uma música que fosse bonita e forte. Mostramos nossas músicas de cura. Mostramos uma, que ouviram várias vezes e não gostaram. Na segunda, sentiram que podia fazer um arranjo, colocar um ritmo legal e foi assim que gravamos”.
Roots é, sem dúvida, o divisor de águas não apenas para o Sepultura, mas também para uma generosa fatia de bandas que se seguiram depois, fazendo o que se convencionou chamar por alguns de “groove metal”. Mergulhando na afinação baixa das guitarras de grupos como Deftones e Korn, o resultado influenciaria não apenas o Soulfly, projeto de Max pós-Sepultura, mas também um número considerável de bandas do chamado nu metal, que passaram a usar e abusar de elementos percussivos tribais em seus trabalhos.
Roots dividiu os fãs? É obvio que dividiu, o disco está longe de ser uma unanimidade. Mas além de ter a canção que se tornou hino da banda (Roots Bloody Roots), de execução obrigatória em todos os seus shows, a bolacha aproximou o heavy metal de um público fora do nicho, com canções como Ratamahatta – que traz a inusitada participação do músico baiano Carlinhos Brown –, e isso sem perder o seu peso característico.
Há quem o chame de “batucada metal”, tratando o termo como depreciativo. Mas é impossível negar a importância e ousadia desta obra, que marcou época justamente pela coragem de experimentar o cruzamento de metal com música tipicamente afro-brasileira.
Max, aliás, ainda quer fazer mais coisas do tipo. Quando eu entrevistei o músico, em 2016, pro JUDÃO.com.br, ele tava empolgado com este tipo de música mais experimental. “Este papo de metal com world music, sério, eu queria fazer mais. Tipo o que fizemos no Roots, com os xavantes. Sei que é difícil por causa das viagens, da grana. É caro. Mas seria foda gravar uns sons na África, no Oriente Médio, com artistas diferentes. Eu ainda vou fazer isso”.
CURIOSIDADES
• A banda ficou tão empolgada com a incorporação de elementos tribais em seu som neste disco que uma das faixas, a instrumental Itsári, foi gravada ao lado dos membros da tribo indígena dos xavantes, em sua terra natal, no Mato Grosso. “De certa forma, acho que nós, como banda, temos muita coisa em comum com os xavantes. Também somos marginalizados pela sociedade, já que nossa música e estilo de vida demoram para ser assimilados e respeitados pela sociedade”, afirmou certa vez Iggor Cavalera, ainda com um único G no nome.
• O vocalista do Faith No More, Mike Patton, amigo de longa data dos integrantes do Sepultura, é um dos vocalistas convidados da faixa Lookaway, ao lado de Jonathan Davis, o líder do Korn, e do DJ Lethal, conhecido pelo trabalho com o Limp Bizkit.
• As últimas palavras da canção Cut-Throat são Enslavement, Pathetic, Ignorant, Corporations, formando a expressão EPIC. Trata-se justamente do nome da gravadora com a qual o Sepultura teve problemas durante o álbum anterior, Chaos A.D (1993).
• Dictatorshit fala sobre o golpe militar que assolou o nosso país no começo da década de 60. Vamos lembrar que é DITADURA que chama, tá.
• As letras de Attitude foram escritas em parceria com Dana Wells, enteado de Max Cavalera, que também foi responsável pelo conceito do clipe da música, estrelado pela experiente família Gracie, muito antes da febre do MMA. Foi a morte de Dana que deu início aos eventos que colocaram Max em conflito com os companheiros de banda (incluindo seu irmão), levando à sua saída do Sepultura. Mas isso é outra história.
• Martin Popoff, um dos mais importantes jornalistas especializados em rock pesado, colocou Roots na 11ª posição da lista de melhores discos de metal de todos os tempos. “Uma obra-prima alcançada por uma banda com um imenso coração e um intelecto maior ainda”, diz ele.
• Atualmente, além do Soulfly, Max mantém uma banda paralela ao lado do irmão Iggor, com quem finalmente fez as pazes. O nome é sintomático: Cavalera Conspiracy. Mesmo com tantos desmentidos, os boatos sobre a reunião dos dois com Andreas e Paulo Jr. para uma turnê com a formação clássica continuam pipocando há anos.
LINE-UP
Max Cavalera – Vocal/Guitarra
Andreas Kisser – Guitarra
Paulo Jr. – Baixo
Igor Cavalera – Bateria
PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS
DJ Lethal – Scratch em Lookaway
Jonathan Davis – vocais em Lookaway
Mike Patton – vocais em Lookaway
Carlinhos Brown – vocais, Berimbau, Timbau, Wood Drums, Djembê, Xequerê e Surdo em Ratamahatta
David Silveria – bateria em Ratamahatta
TRACKLIST
Roots Bloody Roots
Attitude
Cut-Throat
Ratamahatta
Breed Apart
Straighthate
Spit
Lookaway
Dusted
Born Stubborn
Jasco
Itsári
Ambush
Endangered Species
Dictatorshit
Canyon Jam