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Senhoras e senhores, sejam bem-vindos ao Carniçaverso

A dupla formada por Rodrigo Ramos (roteiro) e Marcel Bartholo (arte) chega ao terceiro gibi conjunto explorando o terror em um Brasil que não tem um lugar fixo nem no tempo nem no espaço

Por THIAGO CARDIM

De um lado, o designer, crítico e pesquisador de histórias em quadrinhos de horror Rodrigo Ramos tinha guardados em si os causos que ouvia quando era moleque. Aquelas histórias de terror que quem mora neste Brazilsão sempre escuta. Junte a isso o cinema de caras como John Carpenter, David Cronenberg, Romero e, é claro, o nosso Zé Mojica, uma pitada dos gibis Vertigo dos anos 1990 e um temperinho de música com o Nine Inch Nails do Trent Reznor e o Tool do Maynard Keenan. O resultado? Lá foi o cara escrever sobre o tema para sites como Boca do Inferno, Terra Zero e Universo HQ.

Aí, do outro lado, eis o ilustrador, quadrinista e artista plástico Marcel Bartholo, professor em Sorocaba (SP), que fazia caricaturas e ilustrações. Trabalhava com muita coisa fofinha, livro didático, livro infantil…Mas em 2016, quando o sujeito resolveu fazer sua primeira HQ independente, quebrou com o óbvio e foi direto pro terror, um dos seus gêneros literários/cinematográficos favoritos. Vindo do universo da pintura, inspirado no trabalho de figuras como Goya e Portinari, ele também bebeu da fonte de quadrinistas como Colin, Shimamoto e Richard Corben. Foi aí que nasceu Insubstituível.

E também foi aí que nasceu uma dupla.

“Na época, eu escrevia para o Boca do Inferno sobre quadrinhos e o Marcel me mandou o release da HQ Insubstituível, que ele estava lançando na época”, conta Rodrigo, num papo exclusivo com o Gibizilla. “A partir daí passamos a conversar pelo Facebook sobre quadrinhos e terror até que surgiu um edital para participar de uma coletânea de quadrinhos e resolvi bolar uma ideia. Mostrei o roteiro pro Marcel e ele curtiu a ideia de desenhar. A partir daí a coisa foi se concretizando em uma parceria muito bem sucedida”.

O Marcel concorda e diz que a parceria foi absolutamente natural. “Quando Rodrigo veio com a ideia de fazermos algo juntos, eu já topei. Quando me falou a ideia básica do Carniça (2017), já abracei, e quando li o roteiro me empolguei tanto que em dois meses a HQ estaria pronta”. Com o resultado do primeiro trabalho, a história de um sertanejo perseguido por um cheiro que é lembrança constante dos crimes que cometeu, eles combinaram de tentar a cada ano lançar materiais novos.

E foi aí que nasceu um universo. No caso, um Carniçaverso.

À primeira HQ, juntaram-se Lama, de 2018, ambientada em uma cidadezinha assolada por um terrível desastre ambiental e cujos habitantes lutam para manter a sanidade, e a recém-lançada Canil, sobre o filho de um importante político que se torna o mais novo detento de Guarás, um dos piores presídios da região. Todas independentes, todas pelo selo Carniça Quadrinhos. E todas, de alguma forma, se passando em um Brasil que não tem um lugar fixo nem no tempo nem no espaço, traçando roteiros ágeis, com humor e um toque de realidade, devidamente complementados com uma arte forte, intensa, de assinatura visível, uma mistura poderosa de cinema e literatura de cordel.

“Um mesmo Carniçaverso, como gostamos de brincar”, explica Rodrigo. “Aliás, a única conexão real mesmo é a presença do urubu em todas as histórias. Ele sempre está por lá indicando que alguma coisa bem ruim vai acontecer”. Marcel afirma que existe um certo universo estético e um universo temático. “Gostamos de fazer as histórias sem tempo e espaço definidos. Isso ajuda na liberdade criativa”.

Mas obviamente que o mundo real tem impacto direto nas histórias. “Eu acho que o horror sempre vai ser uma forma de lidar com nossos medos e anseios”, opina o roteirista. “Por isso mesmo, acho inevitável que as nossas histórias tragam um pouco do que vivemos hoje. Eu, aliás, tenho essa preferência por histórias que, além de uma narrativa que entretém em um primeiro plano, também tenha algo a dizer se você prestar atenção nas entrelinhas. Sempre vou seguir esse caminho no que escrevo”. Para o desenhista, a vida real sempre vai influenciar, seja como reflexão ou escape. “Claro que às vezes é muito difícil competir com a realidade. Ainda mais no terror”.

É, Marcel, a gente concorda…

Agora, sobre explorar outros gêneros, o Rodrigo reforça que curte usar o Carniça Quadrinhos para exorcizar os demônios e falar sobre coisas que considera importante. “Pra isso o horror funciona perfeitamente. Tenho feito alguns trabalhos de humor junto com o Kiko Garcia e aventura com o Leopoldo Anjo, mas quem sabe o que mais pode surgir por aí?”. O Marcel deixa claro que a dupla funciona muito bem e que, se bobear, eles podem até tentar trilhar outros caminhos em outros “selos”.

Agora, é claro que eles se empolgaram e naturalmente fazem uma série de outros projetos-solo ou em outras parcerias. Mas será que chegaram a pensar em trazer mais alguém para integrar este dueto? Ou rola uns ciúmes? “Sou possessivo! Eu vi primeiro e ninguém tasca!”, brinca o homem das palavras. “Acho que até podemos ter convidados ocasionais para futuros trabalhos, talvez uma galeria de artistas convidados”, assume o homem das letras.

Mas Rodrigo acredita que, quando alguém vier para integrar o Carniçaverso, possa ser mais como uma referência. “Da mesma forma que fizemos com Poe em Carniça e Lovecraft em Lama. Quem sabe não possamos explorar outros universos já estabelecidos por aí? Temos um projeto engatinhando neste sentido há algum tempo, mas ainda não temos nada definido. Assim que tivermos notícias mais concretas, vocês vão curtir!”.

Para quem se interessou, os gibis estão à venda tanto no site do Rodrigo quanto do Marcel. Além disso, neste momento de isolamento social, os dois estão exercitando mais facetas ao publicar diversas histórias curtas no Instagram da iniciativa, numa série batizada de Causos.

Aguardando ansiosamente o próximo desdobramento deste universo…

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Comments
  • Muito obrigado pelo espaço, meu querido! Em breve teremos novidades. 😉

    15 de dezembro de 2020

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