Desvendando os segredos do Império dos Gibis
Batemos um papo com Manoel de Souza, coautor do livro sobre a ascensão e queda dos quadrinhos na Editora Abril
Por THIAGO CARDIM
Se você, como eu, tem entre 30 e 40 anos de idade e cresceu lendo gibis de super-heróis, bom, então boa parte da sua vida (e das suas mesadas) foi dedicada às publicações da Editora Abril. Muito antes da Panini sonhar em ser o monopólio das HQs de “hominhos” por aqui, era a casa dos Civita que despejava mensalmente todas as aventuras da Marvel e da DC nas nossas bancas.
O Manoel de Souza, conhecido dos leitores por seu trabalho na Mundo dos Super-Heróis, a revista que criou na Editora Europa, também é desta geração. Para ele, enquanto jornalista, contar esta história era algo que o perseguia já há muitos anos – tanto é que, na Mundo, ele inclusive chegou a editar uma grande reportagem sobre a trajetória dos quadrinhos da Abril, com ênfase nos universos Marvel/DC. “Naquela época, 2013, já estava bem claro o potencial do assunto”, conta ele, em entrevista exclusiva pro Gibizilla.
“Quando decidi sair da Mundo para montar minha própria editora – outra ideia bem das antigas –, surgiu a dificuldade de escolher, entre tantos projetos de gaveta, qual seria a grande estreia da Heroica”, explica. “Quem me convenceu em focar a história da Abril foi o Edson Diogo, o organizador do Festival Guia dos Quadrinhos – tanto que o plano inicial era lançar o livro no evento dele, em abril de 2019. Pena que o processo atrasou e tivemos que mudar os planos”.
Para ajudar no processo, o Manoel chamou o amigo Maurício Muniz, parceiro de outras revistas (como a Mundo Nerd) e livros (Vampiros na Cultura Pop). Nascia aí a semente do livro Império dos Gibis, custeado via financiamento coletivo no Catarse por 569 apoiadores.
Mas quem acha que o processo foi simples, se engana. Afinal, a dupla detalhou o projeto em novembro de 2018 e acha que escreveria tudo em uns quatro meses. “Que inocência!”, brinca ele. “Gastamos um ano a mais que o previsto. A verdade é que a gente mal sabia o tamanho do enrosco. Nos preparamos para escalar o Pico do Jaraguá e só depois vimos que tínhamos o Everest pela frente. Era uma quantidade absurda de informações e furos na história. Foi um desafio descobrir todas as peças e depois montar esse complexo quebra-cabeça”.
Ao todo, juntando depoimentos de 46 funcionários da Abril, que exerceram os mais diferentes cargos, somaram-se cerca de 63 horas de entrevistas. “A maior parte dessas gravações eu e o Maurício fizemos especialmente para o livro – muitas delas frente a frente com o entrevistado. Mas também usamos muito material de arquivo da Mundo dos Super-Heróis e, principalmente, do acervo do nosso amigo Gonçalo Junior, o autor de A Guerra dos Gibis e O Homem-Abril, que foi uma espécie de padrinho do livro”, revela.
Manoel diz que não houve exatamente grande dificuldade DURANTE as entrevistas, pois o pessoal foi muito acessível. O problema foi a checagem posterior, pois muitos entrevistados só sabiam parte das histórias ou acabavam traídos pela memória. Afinal, muitas vezes eram acontecimentos de décadas atrás. “Havia muitos erros de datas, por exemplo, e diferentes versões para o mesmo fato. Quando eu cruzava esses dados, virava uma zona, pois as peças não se encaixavam. Foram meses até colocar tudo em ordem”.
No fim, o desafio como um todo foi juntar as diferentes histórias e informações, checá-las profundamente e deixar tudo acessível a qualquer leitor. “Não é à toa que o livro ficou com 544 páginas. Estamos falando de uma empresa que foi a maior editora da América Latina e publicou quadrinhos por quase 70 anos”.
Dentre todas as entrevistas, uma que marcou o projeto foi a do editor Sérgio Figueiredo, o Figa, que trabalhou por mais de três décadas na Abril. “Durante mais de oito horas, ele abriu seu coração para a gente, contando tudo que viu e passou por lá desde 1987. A partir desse depoimento, montamos o esqueleto do livro”.
Até o momento, a receptividade tem sido incrível (“Toda hora recebo mensagens de pessoas relembrando os quadrinhos que liam quando eram crianças”), mas talvez a coisa mais interessante para alguém que vive de apurar informações tenha sido descobrir os motivos por trás das coisas que víamos acontecendo enquanto leitores. “As decisões editoriais estavam muito atreladas ao lado industrial do processo. Caso da insistência em publicar os super-heróis em formatinho e adulterar tantas histórias em prol da chamada Cronologia Abril”.
Sim, Guerras Secretas, estamos falando DE VOCÊ.
Outra grande surpresa foi entender a trajetória da Editorial Abril argentina e como essa empresa do César Civita, o irmão do Victor, influenciou os primeiros anos da Abril brasileira. “Acho que um dos muitos méritos do nosso livro foi resgatar essa história que estava esquecida na imprensa brasileira”.
Manoel, claro, acha improvável que outra editora ocupe o espaço que a Abril teve na cultura brasileira – afinal, o mercado de quadrinhos virou um nicho, sem os antigos leitores descompromissados, que liam gibis só por diversão, só para passar o tempo. “Hoje o mercado depende basicamente de colecionadores com mais de 30 anos. Graças a esses caras, os quadrinhos vão continuar existindo, mas sem aquelas enormes tiragens dos anos 1970/1980”. Mas eu pedi pra ele citar TRÊS coisas que tornaram a empresa marcante. Eis o que ele disse:
1. Respeito aos prazos (dificilmente as revistas atrasavam e, durante um período, tinham até o dia certo para chegarem nas bancas. E realmente chegavam!);
2. Comunicação com os leitores (as seções de cartas marcaram época e qualquer um que escrevesse para a redação, recebia uma carta como resposta. As melhores mensagens saíam nas revistas, uma glória para o leitor);
3. Excelência de conteúdo (as histórias geralmente tinham boa qualidade e os erros de revisão eram muito raros);
E ele ainda acrescenta um fato extra e essencial: “a Abril democratizou o conhecimento ao lançar publicações com preço acessível, disponíveis nas milhares de bancas que existiam Brasil afora”.
Fato MESMO.
Mas em se falando numa editora, aliás, tive que dizer ao Manoel que achei BASTANTE corajoso ele abrir uma editora do zero em pleno 2020. “O plano da Heroica existe há muitos anos e começou a ser posto em prática antes da pandemia”, explica. “Passei 2019 em quarentena escrevendo o livro. Quando finalmente mandei o livro para a gráfica, no início de 2020, o mundo despencou. Contra minha vontade, emendei outra quarentena”. No entanto, ele não reclama, porque mesmo com dificuldades, a coisa está caminhando. “O importante é que, até agora, estou conseguindo pagar as contas e me divertindo no processo. Desde que comecei na área editorial, em 1993, sempre ouço que o mercado está em crise. Por isso, só tenho a dizer: bola para frente”.
E quais seriam os próximos passos da Heroica? O editor conta que tem uma longa lista de projetos para desengavetar – e um deles já está em prática, a coleção Dossiê Grandes Revistas, que conta a história de diversas publicações de super-heróis da Abril. “Se der tudo certo, esse projeto deve render uns 18 volumes ao todo”. Fora isso, Manoel está editando um livro do Heitor Pitombo, um dos colaboradores da Mundo, sobre quadrinhos brasileiros modernos. “Esse livro está previsto para entrar no Catarse logo mais. E assim a vida segue”.
Para quem se interessou pelo Império dos Gibis, pode adquirir neste link
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Paulo Americo Viana Maffia
De quem estava lá e viu tudo;
1. Respeito aos prazos (dificilmente as revistas atrasavam e, durante um período, tinham até o dia certo para chegarem nas bancas. E realmente chegavam!);
Culpa: Sérgio Figueiredo
2. Comunicação com os leitores (as seções de cartas marcaram época e qualquer um que escrevesse para a redação, recebia uma carta como resposta. As melhores mensagens saíam nas revistas, uma glória para o leitor);
Culpa: Sérgio Figueiredo
3. Excelência de conteúdo (as histórias geralmente tinham boa qualidade e os erros de revisão eram muito raros);
Culpa : Sérgio Figueiredo, Sérgio Figueiredo, Sérgio Figueiredo
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