Apagão ganha novos desdobramentos com card game e HQ inédita
Além de dar continuidade à sua trama distópica brasileira nas páginas dos quadrinhos, Raphael Fernandes se empolga ao ver o projeto transmídia ganhar forma em um jogo que é como se o RPG tivesse um filho com o truco
Por THIAGO CARDIM
“Quando a luz acaba, a única coisa que resta é a lei do mais forte!”. É sob este tema que se inicia a história de Apagão: Cidade sem Lei/Luz, de 2015, inicialmente uma história em quadrinhos escrita por Raphael Fernandes e com arte do Camaleão a respeito de uma São Paulo devastada por um blecaute que parece não ter fim. O caos e a violência viram rotina em ruas que se tornam campo de batalha para gangues de arruaceiros se enfrentarem por território e recursos.
O uso de “inicialmente” no parágrafo acima se justifica porque, desde o começo, o Raphael construiu esta história para ser totalmente transmídia – ou seja, conectando e transbordando para diferentes plataformas. Estamos falando de um universo que, lançado via financiamento coletivo no gibi Apagão Extra – Ligação Direta, virou trilha sonora via Solomon Death, áudio jogo em Apagão – Entre o Lobo e o Cão e agora extrapola para um card game derivado da mais nova HQ desta ambientação, Apagão – Fruto Proibido.
“Imagina a treta! Sua melhor amiga é sequestrada por uma gangue traiçoeira e que você nutre certo rancor, o problema é que ela está grávida e você sabe que não dá pra confiar naquelas pessoas”, explica Raphael, em entrevista exclusiva ao Gibizilla. “O problema é que não é só pagar o sequestro com dinheiro! Estamos no meio de um blecaute interminável, que transformou São Paulo em um monte de ruínas cheias de famintos e insanos em apenas 3 meses”. Pra piorar, o resgate envolve uma missão suicida de invasão da base de outra gangue para roubar seu item mais valioso…
O autor explica ainda que, em Fruto Proibido, vemos o mundo pelos olhos da gangue das Patinadoras, o grupo formado por praticantes de roller derby que buscam construir uma comunidade para acolher as pessoas comuns em meio ao apocalipse elétrico. “Mantendo a mesma ação frenética das duas primeiras publicações, nesta há uma reflexão sobre nosso papel neste mundo, a importância de cuidar e uma grande questão sobre a maternidade”.
Dando continuidade aos eventos do áudio-jogo, o gibi, já contemplado com o ProAC do governo do estado de São Paulo, é o que Raphael considera até o momento como seu melhor trabalho como roteirista. “Dediquei muitas horas lapidando esse texto. Não é apenas uma grande aventura e ação em uma São Paulo distópica, mas um longo e dedicado trabalho de estudo para escrever boas personagens femininas e trazer uma reflexão importante sobre a vida em meio a golpes de canivete, gingas de capoeira e ondas de baratas voadoras”, conta. “Tive que reescrever muitas vezes até atender a todas as exigências das leituras críticas, o texto teve tempo de dormir e ser lapidado com cuidado. Cada cena é importante para que o leitor entenda o todo. Tem política, amizade, violência e beleza em doses equilibradas”.
Na HQ, o Rapha se viu trabalhando com uma nova equipe criativa, já que o processo do gibi anterior foi bastante tortuoso e pesado pro Camaleão. “Aos poucos, nós concordamos de que a nova história deveria ser desenhada por um grande amigo nosso: o Abel. Lembrando que Abel é meu primeiro parceiro e fez a premiada HQ Ditadura No Ar – Coração Selvagem comigo. Tê-lo neste projeto é um verdadeiro retorno da nossa tão querida parceria”.
Para as cores, o roteirista foi buscar uma das favoritas aqui do Gibizilla: Fabi Marques, alguém que chamou atenção não apenas pelo trabalho mas também pela postura política. “Achei de extrema importância ter seu talento e visão feminina em um projeto sobre duas gangues de mulheres em conflito. Com seu senso crítico e paixão pela justiça social, a contribuição dela era fundamental para a produção dessa história”.
De acordo com o Raphael, este é um time dos sonhos. Teve ainda leitura crítica e edição de Alexey Dodsworth (A Máscara da Morte Branca), prefácio de Germana Viana (Gibi de Menininha), posfácio de Andreza Delgado (Perifacon), texto complementar de Tato Tarcan (Rede Geek) e comentário de Álvaro Borba (Meteoro Brasil). Ao time, claro, se uniu Gustavo Barreto, da desenvolvedora de jogos Funbox.
Ele e o Rapha se conheceram na CCXP de 2015 e começaram a conversar sobre as possibilidades de um jogo. Neste meio tempo, Gustavo uma mecânica e eles testaram juntos em diversas lojas e com os mais variados públicos. “Participei ativamente da criação do projeto e tive a oportunidade de ver o Gustavo criar um de seus melhores jogos. O cara é um gênio dos jogos de tabuleiro e ter um projeto com a assinatura dele e a edição da Funbox é um sonho”.
Foi assim que surgiu Apagão – Ruas de Fúria.
O roteirista diz que pautou todas as artes e conduziu a estética do projeto conforme acreditava que devia ser. “A sensação é de que sou amigo do Gustavo e da Vanessa, editora da Funbox, desde sempre! Só aprendizado e carinho no processo!”.
Mas como é, afinal, a ideia do jogo – que, aliás, está para financiamento coletivo no Catarse? “Imagina que o truco teve um filho com o RPG!”, afirma ele, na descrição mais legal que se poderia fazer. O jogo recria a temática principal do Apagão: cada jogador controla uma gangue diferente e deve sair na porrada para garantir comida, aliados, fontes de energia e armamentos para sobreviver no centro da cidade. “Porém, além das mecânicas de combate extremamente divertidas, o jogo tem um momento em que os participantes devem intimidar o adversário. Mas sempre de forma inteligente e evitando todo e qualquer discurso de ódio. Quanto mais inteligente e divertido, melhor a experiência de todos envolvidos”.
Aí que, no final do jogo, os dois jogadores com o maior número de pontos de respeito devem duelar pela disputa de uma bicicleta geradora de energia, o item mais cobiçado da São Paulo desconectada. “É um party game extremamente divertido para você arrumar treta com seus amigos e todo mundo se divertir”, brinca ele.
Houve um playteste em uma live durante a Spiel Brazilian Pavilon, a versão brasileira e digital de uma das maiores e mais importantes feiras de jogos de tabuleiro do mundo. No meio do jogo, um grupo de influencers forçou o Gustavo a jogar uma versão sem seguir a regra de ouro: o discurso de ódio está proibido. “Um dos principais nomes do canal escolheu a gangue de vilões, inspirada na extrema direita, e começou a vomitar racismo, transfobia e outros absurdos. A própria Maria do Carmo Zanini, que escreveu o manual do jogo, interferiu no chat, mas os caras não pararam de falar groselha. Depois do jogo, o influencer teve a cara de pau de sair falando que o jogo não deveria existir, pois tinha uma caricatura do presidente e fazia troça de grupo religiosos (o jogo tem fanáticos religiosos extremistas de uma versão cheia de ódio do Velho Testamento). Que era impossível de jogar sem ser politicamente incorreto!”.
O cara comparou Ruas de Fúria a jogos que ofendiam minorias, como pessoas com algum tipo de deficiência. “Não é o caso. Em todas as mesas de Apagão que participei, quem mais se divertiu foram LGBTI+, negros, mulheres e outras figuras que puderam esculachar sem dó os vilões opressores. Foram jogos cheios de risadas, respeito e sem perder a maldade na hora de intimidar os outros jogadores, mas tudo feito com extrema inteligência e elegância, como exigido no manual”. Então, o que aprendemos com essa experiência? “Que Apagão – Ruas de Fúria é um bom jogo para você descobrir com que tipo de pessoa tem se divertido nas noites de jogatina. Você descobre quem as pessoas realmente são!”.
Além de jogos, tá na cara que o universo de Apagão ainda tem um baita potencial para outras mídias. Não tem nada sendo pensado, talvez, para um filme, uma série, algo assim? “Sem dúvida que há planos!”, dispara Raphael. “Já tem uma versão em RPG sendo desenvolvida para este Catarse! Porém, a versão para audiovisual sofreu um duro golpe com essa pandemia. Mas acreditamos que a partir de 2021, vamos poder retomar as negociações e recomeçar os planos envolvendo o projeto”, diz. “Resta aos fãs apoiarem a campanha para termos números para apresentar aos estúdios interessados!”.
Então, voltando a lembrar… Cola lá no Catarse!
Sorry, the comment form is closed at this time.
Pingback: Guitar City e um mundo no qual a culpa é toda do rock - Gibizilla