Em setembro de 1994, os Cavaleiros do Zodíaco desembarcavam no Brasil
26 anos depois, Seiya e sua trupe teriam fôlego para renovar novamente a sua base de fãs?
Por THIAGO CARDIM
(originalmente publicado no JUDAO.COM.BR)
O ano era 1994. Mês de setembro. Eu tinha 15 anos de idade e me lembro claramente do quanto tinha sido, nos últimos anos, viciado nos seriados do tipo tokusatsu exibidos pela finada Rede Manchete. Jaspion, Changeman, Flashman, Jiraya, Jiban. Adolescente, começando a namorar, eu ainda assistia algumas reprises destas séries mas já achava que minha relação com a cultura pop da Terra do Sol Nascente tinha chegado ao seu limite. Ledo engano. Nunca tinha sido até aquele momento, confesso, grande fã de animações japonesas – à exceção de Zillion, que sempre amei. Quando começou na Manchete, de supetão e sem aviso prévio, o primeiro episódio de uma nova série animada chamada Os Cavaleiros do Zodíaco, o fato do protagonista se parecer vagamente com o J.J. de Zillion me chamou a atenção. Dei uma chance. Eis que, na batalha final pela tal armadura de Pégaso, o pequenino Seiya dá um golpe certeiro no grandalhão Cassius e, numa pegada só, arranca-lhe fora uma das orelhas – e a dita cuja vai parar no chão, embebida em sangue, ainda pulsando.
OW! Como assim? Pra um adolescente, claro, foi amor à primeira vista. Porradaria sem censura com poderes cósmicos, armaduras do poder, teorias malucas sobre as constelações, golpes exagerados, gritos e frases de efeito? Não tinha como errar. Eu e toda uma geração de moleques nos apaixonamos perdidamente pelos cinco moleques que protegiam o Santuário da Deusa Atena a qualquer custo. Se você, querido leitor, é da mesma época que eu e passou por esta mesma situação, saiba que você está ficando velho: este ano, completamos exatos 26 anos desde a primeira exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco no Brasil.
“Não há um motivo específico [para o sucesso] e sim a combinação de vários motivos: o estilo da história, as lutas, as armaduras, as constelações, a identificação com os signos, a questão da amizade, o formato dos episódios…”, arrisca Eduardo Vilarinho. Ele é criador e webmaster do CavZodiaco.com.br, a maior e mais importante fonte de informações em português sobre a franquia, há mais de dez anos no ar – além de consultor oficial obrigatório de todas as empresas que lançam produtos licenciados dos personagens por aqui, de mangás a DVDs. Vilarinho tinha por volta de 12 quando viu Os Cavaleiros do Zodíaco pela primeira vez. Hoje, sua coleção pessoal de tudo relacionado aos Cavaleiros ultrapassa os mil itens. “Hoje em dia, é até simples importar produtos do Japão por causa da internet. Já no caso dos itens raros é necessário um intermediário e a aquisição é feita através de sites de leilão, como o Yahoo Auction japonês”, explica ele.
Os Cavaleiros do Zodíaco se tornou sucesso imediato. Era a principal audiência da Manchete, colocado na grade em pleno horário nobre, para fazer frente às novelas da Rede Globo. Graças aos personagens, surgiria nas bancas a pequena e resistente revista de cultura pop Herói, que chegou a ter a impressionante tiragem de 450 mil exemplares em uma única edição. O CD com músicas inspiradas na série, interpretadas pela dupla Larissa e William, logo tornou-se disco de platina duplo (cerca de 500.000 cópias vendidas). E juntando os números do Dia das Crianças e o Natal de 1995, a Bandai conseguiu vender mais de 1 milhão de seus tão cobiçados bonecos com armaduras metalizadas. Eu tive o meu, do Cavaleiro de Ouro de Leão.
“Cavaleiros deixou uma marca na cultura pop brasileira. Quando estourou, foi infinitamente maior que Dragon Ball. Foi graças ao sucesso de Cavaleiros, inclusive, que Dragon Ball passou na TV aqui”, opina Ricardo Cruz. O cantor, integrante de honra do supergrupo nipônico JAM Project, além de intérprete da versão em português de Pegasus Forever (música-tema de A Saga de Hades – Inferno), é fã declarado e concorda com quem afirma que Os Cavaleiros do Zodíaco são ainda maiores aqui no Brasil – e em toda a América Latina – do que no Japão, terra-natal da HQ/desenho. “No Japão, talvez o gênero de mangás de maior sucesso seja o Shonen, cujo público alvo são meninos adolescentes. Cavaleiros é um deles, mas na época em que a série foi publicada no Japão (fim dos anos 80), os maiores hits desse nicho eram Dragon Ball, Hokuto no Ken… Já aqui, e na America Latina toda, fomos pegos de surpresa. Não tinha nada parecido há muito tempo”.
Um efeito colateral do sucesso de Os Cavaleiros do Zodíaco é o sucesso de seus dubladores, tratados até hoje como verdadeiras estrelas pelos fãs da série – na verdade, este é um dos poucos exemplos de séries animadas cujos dubladores são assim tão reconhecidos pelos fãs, tão diretamente lembrados. E mais: a presença dos dubladores originais é sempre cobrada e exigida assim que uma nova série animada e/ou longa metragem é anunciado ou refeito/remasterizado. “No anônimo universo da dublagem, ter um personagem que marcou uma geração é de uma satisfação imensa. Muitos colegas dubladores resolveram que queriam ser dubladores por serem fãs de Cavaleiros do Zodíaco. É uma honra e uma responsabilidade”, confessa Hermes Baroli, dublador do personagem Seiya de Pégaso e atual diretor de dublagem dos produtos relacionados à série, no estúdio Dubrasil. “Graças a essa série, há 20 anos percorremos o Brasil, conhecendo esse público e tendo um contato mais direto, coisa que o ator só costuma ter no teatro”.
Quem costuma frequentar eventos dedicados a fãs de mangás e animes pode atestar as palavras de Baroli. Ele e todo o elenco da série, em especial os protagonistas – Élcio Sodré/Shiryu, Francisco Brêtas/Hyoga, Ulisses Bezerra/Shun e Leonardo Camilo/Ikki – são recebidos como verdadeiros popstars. Dão autógrafos, tiram fotos, são abraçados/beijados aos montes e frequentemente são requisitados a gravar as frases típicas de seus personagens nos celulares dos fãs, que as usam como toque oficial do aparelho.
“O segredo é sempre fazer o nosso melhor quando pensamos em Cavaleiros”, afirma Baroli. “Sabemos o que o público está esperando. Quando freqüentamos eventos de anime, ouvimos dos fãs o que os agrada e o que não os agrada. A indústria da dublagem faz com que freqüentemente o trabalho seja feito às pressas. Na Dubrasil não admitimos pressa. Estamos comprometidos com o melhor resultado. Cuidando muito de perto da tradução, da adaptação e da direção de ator que é o que fará a diferença”, explica.
A nova onda
Os Cavaleiros do Zodíaco teriam uma espécie de segunda onda de popularidade a partir de 2003, quando a série original passou a ser exibida no Brasil pelo Cartoon Network e, no ano seguinte, pela Band. O desenho foi então redublado, com a maior parte das vozes originais – mas agora com uma revisão mais apurada de alguns termos e nomes de personagens. Foi também nesta época que o desenho foi pela primeira vez lançado em DVD por aqui, pelas mãos da PlayArte, obtendo um grande êxito de vendas – na verdade, segundo informações de bastidores, este é um título que até hoje atinge bons índices comerciais em sua versão clássica.
“Os fãs da década de 1990 já são pais e levaram essa paixão para seus filhos”, opina Baroli. “Quando participo de eventos, é comum tirar foto com duas ou três gerações da mesma família”. Vilarinho, o especialista, também concorda que a segunda onda ajudou a renovar o público, mas faz uma ressalva: “não como o esperado”. E ele explica: “pego como exemplo a idade dos fãs cadastrados em nosso fã-clube. O que podemos concluir é que a série acabou perdendo muito fãs da geração Manchete e não os ganhou na mesma proporção na geração Band. Mas, de qualquer forma, a base de fãs é gigantesca ainda assim e os recentes lançamentos estão recuperando centenas de fãs antigos. Eu colocaria assim: 70% são fãs geração Manchete e 30% geração Band em diante”.
A redublagem, no entanto, ajudou a colocar em evidência, assim como os dubladores, também os cantores das músicas-tema. Ao invés de optar por uma canção em tom de marcha militar como “Os guardiões do universo / hão de vencer o mal…”, que embalava a abertura da série em 1994, optou-se por uma versão em português da canção Pegasus Fantasy, originalmente cantada por Nobuo Yamada. Como a música tem toda uma vibração de metal melódico, o convidado mais óbvio para interpretá-la foi Edu Falaschi, na época vocalista da banda Angra.
O resultado, perfeito, associou imediatamente a imagem de Falaschi aos Cavaleiros e ao universo dos animes – considerando ainda que o Japão tem uma relação ancestral com este tipo de heavy metal da escola Helloween, o casamento não poderia ter funcionado melhor. Nos shows do Angra, tornou-se expediente comum os fãs pedirem que ele cantasse Pegasus Fantasy – a primeira de uma série de canções da série que ele interpretaria. Em algumas raras exceções, Edu chegava a fazer uma palhinha da faixa, levando a molecada à loucura. Viriam, então, outros cantores – como o próprio Ricardo Cruz e Rodrigo Rossi, outro fã incondicional da da série que tentou a sorte e se deu bem. “Em 2008, quando Lost Canvas ainda não havia sido dublada, li uma notícia que desmentia a exibição da música em português em algum lugar. Já acompanhava o trabalho do Edu, resolvemos tentar produzir as músicas e acabou acontecendo”.
Depois de gravarem, juntos, a versão em português da música de abertura da nova temporada de Os Cavaleiros do Zodíaco: Ômega, Edu, Rodrigo, Ricardo e Larissa Tassi (responsável pelas canções de abertura e encerramento de Os Cavaleiros do Zodíaco – Hades: A Saga do Santuário) fizeram uma vitoriosa série de shows lado a lado, celebrando o aniversário de duas décadas. É o projeto Os Cavaleiros do Zodíaco In Concert. Além de cantarem juntos, eles também interpretavam as canções que cada um cantou na abertura de uma das diferentes versões animadas da série.
Ômega
Depois d’A Saga de Hades, iniciada em 2008, o estúdio que detém os direitos dos Cavaleiros do Zodíaco, a Toei Animation, licenciou os direitos para que um outro estúdio fizesse The Lost Canvas, espécie de prólogo da série original. Mas eles estavam dispostos a manter a série viva e renovada por conta própria. Por isso, em 2012, começaram a exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco: Ômega.
Com uma história sem a participação do criador original, Masami Kurumada, e fora da cronologia oficial dos mangás, Ômega se passa 25 anos depois dos eventos da série original. Somos apresentados a uma nova leva de jovens personagens – alguns até vestindo as armaduras que outrora foram dos protagonistas originais, como Kouga, que assume as vestes de Pégaso que um dia couberam ao impetuoso Seiya.
Com uma trama nitidamente tentando focar num público mais jovem e mais interessado em títulos como Yu-Gi-Oh e Naruto, Ômega fracassou miseravelmente justamente por tentar atualizar conceitos que já estavam arraigados no imaginário dos fãs – como as armaduras, que ao invés de serem carregadas agora passaram a ser invocadas via pingentes, pulseiras e anéis. Além disso, os personagens principais são insípidos e sem carisma, forçando a Toei a trazer os Cavaleiros originais em participações especiais para tentar reverter a situação e atrair um pouco da atenção dos fãs veteranos.
“Com o passar dos episódios, deu para perceber que não foi uma boa ideia da Toei Animation. É verdade que angariou muitos fãs novos, mas não agradou à grande parte dos fãs antigos”, conta Vilarinho. Para Rossi, Ômega demorou demais pra chegar no Brasil – os DVDs saíram quase um ano depois da estreia da série lá fora. “No mundo de hoje, a internet permite uma diferença de horas pra que os episódios estejam disponíveis. Acho que a demora para o lançamento foi letal para nós”.
Além de lembrar que Ômega não tem um mangá como base, sendo criado direto para TV (o que não é lá muito tradicional), Cruz lembra um importante detalhe de produção: “Ômega passava às 7h30 da manhã de domingo no Japão, herdou o horário que era de um anime infantil pra meninas chamado Precure, bem conhecido lá. A equipe principal do Ômega é a mesma desse Precure, então a série desde o começo, pelo menos no Japão, tinha outra pretensão em termos de público”.
No cinema
Nos últimos anos, a PlayArte – que, além de distribuidora, também é exibidora, pois tem suas próprias salas de cinema na cidade de São Paulo, no ABC e em Manaus – se deu bem com a versão clássica dos Cavaleiros ao criar, para comemorar estes 20 anos, uma programação especial no PlayArte Bristol. Chegaram a fazer até seis dias de exibição de longas e episódios especialmente selecionados. As sessões, concorridíssimas, obrigaram a empresa a levar a exibição para uma sala maior, para poder comportar todos os interessados. A expectativa inicial, de 140 pessoas por dia, foi rapidamente ultrapassada nos primeiros dias de pré-venda. Foram mais de 400 espectadores em cada uma das datas.
A trajetória dos Cavaleiros nas telonas começou de maneira marcante, com o longa A Lenda dos Defensores de Atena, no qual os heróis enfrentam o vilão Abel. O lançamento sob o título de Os Cavaleiros do Zodíaco – O Filme, durante as férias de 1995, auge da febre dos personagens, fez com que o filme registrasse mais de 500.000 espectadores apenas em sua primeira semana, um resultado considerável. Eu estive presente na estreia e posso atestar: numa sala lotada, uma verdadeira multidão de moleques gritava todos os nomes dos golpes junto com os personagens na telona, berrando a cada cacetada.
Já em 2006, foi a vez de Prólogo do Céu – e os resultados não poderiam ter sido mais diferentes. “Se você for analisar, foi um erro de estratégia”, contextualiza Vilarinho. “O grande problema foi a pirataria. Na verdade, o filme foi lançado no Japão em 2004 e chegou aqui apenas em 2006. A lição que fica é que, em condições similares a esta você deve lançar diretamente em DVD e/ou BD e não antes nos cinemas”. A PlayArte, que já lançava os DVDs e quis arriscar nos cinemas, acabou dando com os burros n’água. Talvez por isso não tenham evoluído as negociações para que a empresa levasse A Lenda do Santuário para os cinemas, que acabou nas mãos da pequena Diamond Films. Tentamos contatos com ambas as empresas para tentar entender a razão da troca de mãos – já que temos informações seguras de que, originalmente, o filme estava sob responsabilidade da PlayArte – mas não obtivemos resposta até o fechamento desta matéria.
O lançamento mais recente, A Lenda do Santuário, versão em CGI para a clássica Saga do Santuário (a primeira temporada do desenho animado), não teve uma performance das mais satisfatórias em sua estreia no Japão e tampouco aqui no Brasil.
“O fã precisava ir com a mente aberta para o cinema, pois se trata de um reboot, com algumas alterações no roteiro que ele já conhece”, adverte Vilarinho. Para Cruz, a Toei tentou, além da modernização visual – com ares de videogame – “ocidentalizar” um pouco mais o filme, talvez para tentar encantar uma nova fatia de público, acostumada ao sucesso das produções da Marvel. “Deu pra perceber que os japoneses tentaram inserir um pouco de Disney, Pixar, etc, no filme. As piadinhas, o Cavaleiro de Câncer cantando e dançando… Esse tipo de coisa não existe nos animes”, conta.
E a versão do Netflix
Quando o Netflix anunciou que faria uma nova versão dos Cavaleiros do Zodíaco começando do zero, desde as já clássicas origens dos personagens e indo em direção à icônica Saga do Santuário, hmmmm… Ficou um gosto amargo na boca, relembrando o filme de 2014.
Ó, vamos lá, sem exageros aqui: a intenção de modernização do gigante do streaming foi realmente sincera. Diferente do bizarro filme com os bravos guerreiros de Atena computadorizados, grande parte da atualização aqui parece um tanto mais ~natural, menos forçada, menos “Hello Fellow Kids”. A dublagem funcionou na mosca, com as vozes originais incorporando expressões e trejeitos atuais de maneira solta, leve, sutil.
Além disso, a atualização da mitologia também funcionou — tanto na parte em que o tal COSMO é tratado como um superpoder inerente, que nasce com a gente, tipo uma manifestação mutante, e menos como uma coisa meio hipster-astrológica-pasteurizada sem grande explicação que a gente desenvolve meio na base da meditação, quanto na ambientação.
Vivemos num mundo de tecnologia avançadíssima ao nosso redor, então nada mais justo do que contrapor a magia e o misticismo a um universo de celulares, GPS, implantes cibernéticos e vídeos que viralizam no YouTube. A ambição do homem, aqui cristalizada na figura do personagem inédito Vander Guraad, um general que quer dominar o poder das armaduras de ouro, faz os Cavaleiros questionarem suas rígidas regras de conduta e mesmo umas tais profecias ancestrais em prol do que é certo — taí uma coisa bem legal de ver, que acrescenta uma bem-vinda camada de complexidade à hierarquizada sociedade dos cavaleiros de ouro, prata, bronze, etc.
Isso sem falar no timing, né? Claro que a gente entende que existe uma diferença clara entre o tipo de narrativa tipicamente ocidental e aquele dos mangás/animes, mas quem viu a série original sabe bem que Cavaleiros disputava com Dragon Ball Z o título de maior duração de uma batalha em número de episódios. Por vezes um único quebra-pau durava tipo três capítulos, o que definitivamente tirava um pouco do impacto e do tesão da coisa toda, ficava chaaaaaaaato de acompanhar os muitos olhares arregalados e trocas de “o quê?” e “como disse?”.
Aqui, eles souberam equilibrar bem os treinamentos, a disputa da Guerra Galáctica, a aparição do Ikki/Cavaleiro de Fênix e os Cavaleiros Negros num fluxo bem temperado e coerente.
Isso tudo são bons acertos. Mas não dá pra negar que estes novos Cavaleiros do Zodíaco também erram. E os deslizes são grandes e incômodos o suficiente pra você não ter muita certeza se eles valem a pena os acertos.
É, a gente precisa MESMO começar falando da Shun, tá?
Porque assim, o Seiya, por exemplo, desperta a sua armadura usando um pingente, numa pegada mais mágica/mística que parece ser herança do recente filme A Lenda do Santuário, de 2014; o Mestre Ancião não é mais roxo; e o Cassius, aquele que perde a orelha na luta contra o futuro Cavaleiro de Pégaso lá no início da trama do anime original, aparentemente se torna um Cavaleiro Negro, pistolaço de tudo. E o Shun virou A Shun. Cortesia do roteirista-chefe Eugene Son (Os Vingadores Unidos).
Bombardeado pelos mais diferentes questionamentos de fãs no Twitter, Son fez uma longa thread repleta de argumentações para defender a escolha da mudança de sexo do personagem — que, segundo ele, já se imaginava que fosse ser controversa. “Quando nós começamos a desenvolver essa série atualizada, queríamos mudar muito pouco. Os conceitos principais que fazem a série ser adorada ainda são muito fortes e a maioria deles continua fazendo sentido mesmo três décadas depois”, explica. “A única coisa que me preocupava: os Cavaleiros de Bronze ao lado de Seiya de Pégaso são todos homens”.
Ok. ÓTIMO ponto.
Segundo ele, a série “sempre teve personagens femininas fantásticas com uma dinâmica forte. Isso reflete na tremenda quantidade de mulheres que são apaixonadas pelo mangá e pelo anime. (…) Agora o mundo mudou. Garotos e garotas trabalhando lado a lado é o padrão. Existem várias personagens femininas na obra original. Marin e Shaina [ou Shina, como acabou conhecida no Brasil] são ambas incríveis, mas elas já são poderosas – ninguém quer que elas sejam transformadas em Cavaleiros de Bronze”. E foi discutindo sobre isso que eles chegaram no Shun, que agora vai virar Shaun (e o dublador original, Ulisses Bezerra, sai de cena, sendo substituído por sua irmã, Ursula, conhecida principalmente pela voz brasileira do Naruto).
“Um ótimo personagem com um ótimo visual”, explica o roteirista. “Mas isso é uma nova interpretação, uma abordagem diferente. Se você achar estranho e não gostar, eu entendo. (…) Então se você odiar isso (e a mim) e disser ‘Essa nova série não é pra mim’, sem problemas. Entendi. E aprecio o seu amor pela franquia, de qualquer forma”.
Digo e repito: mudanças são boas. Esquece de uma vez este papo de “ai, vão destruir a minha infância”, isso já deu, cansou. É um novo desenho, para um novo público, nem tudo gira em torno do seu umbigo saudosista. Valeu pra She-Ra, pros Thundercats, pro Popeye… Isso TAMBÉM vale para estes novos Cavaleiros do Zodíaco. Os antigos desenhos vão continuar existindo, ninguém tá proibido de ir lá ver e rever.
Portanto, vamos tirar de uma vez a argumentação do “no meu tempo era melhor” da conversa.
Da mesma forma, é importante tirar da mesa o papo de “isso tudo é por causa do politicamente correto” ou o velho clássico “o mundo tá chato”. Diversidade importa, representatividade também e este era um problema SÉRIO na franquia dos Cavaleiros do Zodíaco, conforme o próprio Son levanta: apenas os homens combatiam em nome de Atena. Tanto a Toei, que detém originalmente os direitos sobre a animação, entende isso que lançou uma nova fase do anime, adaptada diretamente de um mangá recente, chamada Saintia Shô. Sabe qual é a principal diferença? Temos uma nova classe de mulheres guerreiras lutando em nome da Deusa da Justiça, as Saintia. Basicamente, são cavaleiras, com direito a usar armaduras tanto quanto Seiya, Shiryu, Hyoga e toda a trupe.
Quando o Son diz que a série original “sempre teve personagens femininas fantásticas com uma dinâmica forte”, ele tá equivocado num grau absurdo. Em sua maioria, as mulheres em CDZ são relegadas a papeis totalmente secundários desde sempre: ou elas são as musas inspiradoras dos nossos intrépidos guerreiros (como a Atena ou a Hilda de Polaris, no caso da Saga de Asgard) ou então suas inocentes namoradinhas, tipo a Shunrei pro Cavaleiro de Dragão. Ou quem sabe as amazonas, mulheres mascaradas que apesar de serem consideradas “mulheres-cavaleiros” (Marin e Shaina seriam, em tese, cavaleiras de prata) NÃO são nem de longe em importância o equivalente feminino dos cavaleiros, diga-se. Mulheres sem passado, presente e futuro, tipo a coitada da June de Camaleão — que inclusive se envolveu com o Shun.
São raríssimos os casos como o da Thetis de Sereia, vista na fase de Poseidon — mas que, mesmo assim, é tratada muito mais como uma agente secreta/mensageira do que como uma guerreira DE FATO.
Quando a gente pula pra recente fase Ômega, eis que surge um exemplo como Yuna de Águia. Que não deixa de ser essencialmente uma amazona como Marin e Shaina, embora se recuse a usar a máscara, o que já é uma vitória. Mas que passa, ENFIM, a lutar lado a lado com os novos cavaleiros de bronze. O que já é uma GRANDE vitória.
Então… SIM. Se passaram TRINTA ANOS, cara. É muito legal que eles pensem em mudar o gênero de um dos cinco personagens principais, dando a uma mulher de fato mais destaque (e confesso que eu não veria problema ALGUM em ter a Marin transformada em “cavaleira”, por exemplo). Esta é uma iniciativa que a gente apoia e defende DEMAIS, tanto quanto apoiamos, por exemplo, a Marvel tirando o Deus do Trovão de cena e substituindo o cara por uma mulher, digna de erguer o Mjolnir e de chutar bundas em todos os nove reinos. Podiam ter mudado até mais de um dos cavaleiros de bronze, se fosse o caso, sem o menor problema.
O grande problema aqui é que o personagem escolhido para esta mudança de sexo seja JUSTAMENTE o Shun de Andrômeda. A cagada tá aí.
duas coisas aqui. A primeira é que, AH, VEJAM VOCÊS, de que adianta fazer esta mudança muito da bem-vinda se a Shun é a ÚNICA cavaleiro/amazona de bronze que aparece ao longo dos seis episódios? Sério. Fora Marin e Shina, que não usam armaduras propriamente ditas, não tem uma única mina nem de coadjuvante nos treinamentos ou mesmo no torneio? Tem algo errado, não?
Mas aí rola a segunda cagada. Tá, a Shun funciona como o Shun funcionava para a dinâmica do quinteto. Mas é aí que mora o problema. Ela continua sendo a personagem frágil, delicada, que não quer saber de confusão, que é especialista na arte da defesa e não no ataque. Dava TRANQUILAMENTE para ser o Hyoga de Cisne, por exemplo, que aqui é o cara mais complexo, chato, provocativo, arrogante. Ou mesmo o Shiryu de Dragão. Era preciso ousar mais, ainda que fosse incomodar mais.
E, vamos ser francos, é impossível ignorar a questão da animação, tecnicamente falando. Tem algo que não funciona ali. A movimentação dos personagens é bastante dura, engessada, parecendo demais um videogame que SE PARECE com um videogame. Falta uma fluidez que fique bastante evidente principalmente durante as lutas. Além disso, as expressões faciais fazem falta. Falta contração nos olhos, falta tremedeira na boca, pra expressar raiva, tristeza, surpresa. A rigidez do olhar da Saori, por exemplo, chega a ser assustadora. Ela realmente parece uma boneca, o que está longe de ser uma boa notícia. No máximo, um dos únicos que ainda traz um tantinho de profundidade no rosto é o Ikki — e mesmo assim, com muita boa vontade de quem está assistindo.
Pra completar, sim, é MUITO legal ver o Aiolia de Leão aparecendo majestoso na frente de um Seiya ainda criança e mostrando a extensão de seu poder ao bloquear os tiros de um helicóptero com o próprio corpo e ainda derrubar a aeronave do ar com um movimento das mãos. Mas, alguns episódios adiante, quando temos o Cavaleiro de Pégaso e seus três novos parceiros defendendo Atena no meio do deserto diante de um exército, o recurso dos raios de energia sendo disparados pelos guerreiros contra aviões e tanques é usado repetidamente até que se desgasta, perde o impacto. E o que era pra ser um dos grandes momentos da série vira só mais uma terça-feira, com meteoros, cóleras e pós de diamante sendo gritados quase como numa metralhadora.
E não para ali: talvez numa tentativa de agradar os fãs ~das antigas, os golpes principais de cada um dos cinco são repetidos e berrados à exaustão, tirando a característica especial de cada um destes momentos. Quando o Shiryu preparava a sua Cólera do Dragão, era um momento único, o ápice do episódio do dia, a catarse suprema de energia. Jogado assim, vira mais um soco no queixo numa batalha genérica. O que é especial precisa ter o seu espaço pra ser REALMENTE especial.
Não tenho lá muita dúvida de que estes Cavaleiros vão retornar numa nova leva de episódios, partindo para o Santuário, onde redimirão Ikki, descobrirão a conspiração para eliminar Atena, vão se deparar com os Cavaleiros de Prata, serão apresentados ao Mestre e suas duas faces e então vão iniciar a subida pelas Doze Casas para as lutas épicas com os Cavaleiros de Ouro. Isso pra não dizer que tanto Poseidon quanto Hades já foram devidamente mencionados previamente. As chances de evolução são ótimas. O que o time de produção vai fazer com elas é que o problema verdadeiro. Aguardando ANSIOSAMENTE por Máscara da Morte vs Shiryu e Camus de Aquário vs Hyoga pra ver o que vai ser feito aí…
PS: Eu poderia ser esta pessoa que reclama da abertura ser cantada em inglês, quando temos uma já lendária tradução de Pegasus Fantasy interpretada lindamente por diversos cantores locais? Poderia sim. E até fui, na verdade. Mas confesso que me acostumei e, ao descobrir que tinham sido os ingleses do Struts, uma lindíssima e recomendadíssima banda contemporânea que tinha que ser ouvida por muito mais gente no mundo, os responsáveis tanto pela abertura e pelo encerramento, passei a gostar bem. Vale assistir sem recorrer ao botão de “pular”. <3
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franco
Este artigo merece um livro. Muito bom.