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Em disco-tributo à Irlanda, Tuatha de Danann fala muito do Brasil de hoje

Banda mineira prepara lançamento de In Nomine Éireann, produzido à distância e com o apoio de uma legião de fãs fiéis

Por THIAGO CARDIM

Quem conhece o trampo dos caras do Tuatha de Danann, originários de Varginha/MG, já sabe o quanto a obra deles é influenciada pela música irlandesa. Ao longo de quatro discos e dois EPs (incluindo o mais recente, o ótimo The Tribes of Witching Souls), eles já abordaram diversos pontos da mitologia celta que, inclusive, dá nome à banda (“povos da deusa Danu”, na tradução aproximada). Mas faltava revisitar um pouco das canções tradicionais da Ilha Esmeralda. Bom, agora não falta mais.

“A ideia era fazer um disco inteiro como um tributo em homenagem à música irlandesa. Porque isso é um elemento muito importante nas nossas músicas autorais”, explica o vocalista Bruno Maia, em um papo exclusivo com o Gibizilla. “Este é um projeto diferente na nossa carreira. Quis pegar isso e fazer um disco completo contemplando várias facetas da música irlandesa”.

Ele conta que se tratou de um projeto complexo porque, musicalmente, temos muitas Irlandas. “Temos as drinking songs, que são as mais famosas, as de pub, de bebedeira. Temos as rebel songs, músicas de protesto, porque a Irlanda é um país que sofreu anos e anos de opressão colonial. Temos os lamentos, as baladas, que são mais bucólicas, que romantizam as paisagens irlandesas. Quisemos contemplar tudo isso”.

No álbum, batizado de In Nomine Éireann, temos uma música de bebedeira, que é uma das facetas dentro deste estereótipo do que é a Irlanda. “Porque temos a Irlanda mágica, das fadas, do mundo encantado. Temos a Irlanda guerreira, um país povoado pelos celtas e depois invadido pelos vikings, naturalmente é um povo guerreiro”, conta. “Depois tem o estereótipo do beberrão, perpetuado até para descreditar a galera de lá. A parte MÁGICA do disco tá nas músicas instrumentais”.

In Nomine Éireann não foi complexo apenas musicalmente, é bom que se diga. Até porque no meio do caminho, claro, tinha uma pandemia.

Bruno já vinha fazendo seleção de repertório e cuidando de uma pré-produção no seu próprio estúdio – mas, assim que isso acabou, eis que chegou o coronavírus. “Então a gente não teve mais ensaio. Fui fazendo as demos, mandando pro pessoal da banda, para eles irem se acostumando com as músicas. Foi um processo bem peculiar e diferenciado neste ponto”, confessa. As gravações atrasaram, já que eles fizeram a coisa CERTA e se impuseram o distanciamento social por causa da gravidade da doença. Então, tudo foi mais demorado.

“E do meu lado, o meu parceiro, o cara mais técnico aqui do estúdio, arrumou um emprego regular e eu fiquei sozinho. Sorte que algumas coisas eu já sabia, microfonar, coisa e tal, mas a parada da edição e vários outros truques da gravação eu tive que aprender”, revela o frontman. “Acabou sendo um processo que exigiu demais de mim, me sobrecarreguei. Mas foi um grande aprendizado, saca”.

O que ajudou a banda, no fim, foi a campanha de financiamento coletivo – que, na real, não foi um crowdfunding tradicional, já que eles têm um selo, o Heavy Metal Rock, que originalmente tinha custeado o disco. “O que nós fizemos foi uma campanha de apoio pra banda durante a pandemia. Era uma pré-venda, pra gente poder se virar. Afinal, estamos sem shows, sem renda, sem nada. E aí a gente ia mostrando um pouco do processo de gravação, o que dava pra ir mostrando, enfim. Rolou até uma letra colaborativa para uma das duas músicas autorais que estão no disco. E foi uma campanha fantástica, que deu tanto gás pra gente, a gente recebeu tanto apoio neste momento tão triste, de tanta incerteza, que pra gente foi maravilhoso”.

Claro que a grana fez falta, ainda mais porque todos os shows dos caras foram cancelados – e desde o último disco, eles têm mantido uma média boa de shows. “Eles são a nossa principal renda hoje, por mais que alguns integrantes tenham outros trabalhos, alguns ligados à música, outros não. Mas todos foram afetados, com certeza”. Mas Bruno diz que valeu não só pelo lado financeiro, mas também por saber que tem tanta gente que se importa com o Tuatha. “Isso sinaliza pra gente que temos que continuar. Isso não tem dinheiro que pague. Somos todos muito gratos a todo mundo que contribuiu”.

Uma amostra do que se pode ouvir está em The Molly Maguires, o primeiro single divulgado, com participação de Kevin Fay, vocalista da banda irlandesa Cruachan. A letra faz referência à um grupo de rebeldes ativistas que apoiavam revoluções agrárias originalmente no século 19. “Quem conhece um pouco da história irlandesa ou mesmo da história americana, por causa dos imigrantes, talvez perceba melhor todo o viés político da música. É uma canção muito legal, que fala de trabalhadores que tiveram os direitos extirpados, que era demasiadamente explorados pelos patrões, com jornadas extenuantes em troca de comida, às vezes de teto… É um tema muito importante e que hoje se faz necessário pra um caminho que a gente pode estar seguindo, né”. Isso é FATO.

Aliás, a maior parte das canções de In Nomine Éireann tem um viés político, contestador e sempre do lado dos oprimidos. “Nós nunca vamos estar do lado dos soberanos, do poder, principalmente se for um poder tirano. E isso tudo tem a ver com a história da Irlanda também, que este sob o poder do colonialismo britânico por quase oito séculos”, revela Brunp. “Suas terras foram tomadas, sua língua foi marginalizada, sua religião perseguida, seus símbolos nacionais proibidos. Foi um país estuprado pelo imperialismo britânico. É uma história de luta. A maior parte das músicas escolhidas segue por este caminho”.

Digamos que se trata de uma postura absolutamente necessária em um cenário no qual temos o pessoal do metal, do punk, do rock, se alinhando com as alas mais puritanas e fundamentalistas da nossa sociedade. Tanto lá fora quanto aqui, aliás. “Inclusive, na verdade, por conta destes caras terem sido tão marginalizados, vítimas de exclusão por conta desta mesma sociedade”.

Ele lembra que o Tuatha nunca foi uma banda militante ou panfletária – mas, antes dos caras serem músicos, ele são cidadãos, que vivem, trabalham e estudam no Brasil. “E temos nossas críticas quanto ao governo, quanto à estrutura social. Parece que existe uma patrulha dentro da própria cena do metal, você não pode criticar político, o sistema, o governo. Este reacionarismo é tapado. No passado, a gente pouco falou de política e, quando isso aconteceu, foi num cunho ecológico, falando de preservação da natureza – que já é um ato político, se posicionar contra o capitalismo, por que não dizer até contra o neoliberalismo”, opina ele. “Mas quando a gente vê a cultura, as universidades, a ciência, todo setor que possa fazer crítica, incentivar a pensar, a rebater, sendo perseguidos, desacreditados, censurados, não dá pra se calar”.

QUE BOM QUE ALGUÉM ENTENDEU ISSO.

Depois do lançamento do álbum, que finalmente foi pra mixagem e masterização, tudo que o Bruno quer é que o apocalipse enfim acabe. “A gente quer tocar muito, queremos tirar o atraso destes shows, sentimos falta de estar no palco, de estar com quem a gente ama, abraçando amigos que não vemos há muito tempo”, afirma. “A ideia era que este disco não desse tanto trabalho, que a gente pudesse já começar a trabalhar em um novo autoral”. E conta que eles já têm muitas músicas estruturadas. “Vai ser um disco mais cabeção, mais progressivo, mais complicado do que estes últimos”.

Vai, corona, dá um tempo aí pra gente.  

Enquanto isso, escuta aí mais uma do disco novo dos caras, com a letra na MESMA pegada.