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Dando uma Surra de peso, atitude e posicionamento

Trio santista ganhou espaço nos ouvidos de quem curte rock pesado ao esbanjar talento com um thrashpunk furioso e que não tem medo de falar umas verdades

Por THIAGO CARDIM

O nome não me era estranho, já tinha escutado alguma coisa aqui e ali, mas em 2019, não passava um mês sem que algum coleguinha me recomendasse ouvir os caras do Surra. Egressos da minha terrinha caiçara, aka Santos/SP, o trio formado por Léo Mesquita (guitarra e vocal), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria) virou assunto recorrente nas rodinhas de quem curtia metal e também de quem era mais da galera punk. Parecia que a banda recém-surgida acabou fazendo todo mundo bater cabeça.

“Muita gente vê o Surra como uma banda nova mas já estamos indo para o oitavo ano da banda”, reforça Guilherme, em entrevista pro Gibizilla. “Nós começamos lá em 2012. Tocávamos em outra banda, que acabou, e nós três decidimos continuar fazer barulho”, completa Victor. Eles lembram que, no começo, era algo bem mais despretensioso mas, a partir de 2014, depois da primeira turnê no Norte/Nordeste, eles sacaram que podiam fazer um negócio mais legal e que refletisse mais o pensamento dos músicos.

Foi a partir do EP Somos Todos Culpados (2015) que eles começaram a tomar um cuidado maior com as letras e a sonoridade que conhecemos hoje se solidificou na cabeça dos três, uma mistura de metal, punk, grind, tudo batido em um liquidificador sonoro. “E daí pra frente foi uma sucessão incansável de lançar discos e fazer shows, com turnês pelo país inteiro, turnês fora, muito suor e lágrimas”, diz o batera, aos risos.

Para o baixista, o grande pulo do gato para que eles caíssem na boca do povo veio mesmo como consequência do lançamento, em abril do ano passado, do segundo disco completo dos caras, o caótico e maravilhoso Escorrendo Pelo Ralo. “Tivemos a sorte de poder fazer uma turnê gigante passando por todas as regiões do Brasil. Além dos shows em São Paulo, onde participamos de duas apresentações no SESC com o Ratos de Porão, diversos festivais grandes na capital e também no interior”, lembra. “Acho que foi o ano da consolidação de uma correria que a gente vem fazendo desde 2015. Produção constante de material e agenda de shows insanamente lotada, duas turnês na Europa…”.

No fim, o som que eles chamam de thrashpunk conversa bem tanto com fãs do thrash metal mais brutal quanto do hardcore mais veloz e animalesco. Mas não existia uma treta histórica entre punks e metaleiros? “Acho que isso ficou muito no passado”, opina Victor. “Hoje em dia, as próprias bandas, por mais punks ou metal que sejam, sempre misturam alguma coisa ou outra de outros estilos, e a galera que curte isso acabou abrindo mais a cabeça. Nos nossos shows, eu nunca vi uma treta dessas. Acho até interessante que pessoas que normalmente não ouvem sons ‘barulhentos’ como o nosso, acabam virando fãs por conta das letras, das ideias, etc. Pra mim isso é maravilhoso”.

Ah, é. Sobre as letras. Pois então. O Surra é um daqueles exemplos fantásticos de banda que resolveu não ficar em cima do muro e que, sim, fala sobre política – e antes que você pergunte, do lado CERTO, a favor das minorias e contra C E R T O S governos aspirantes a fascistas.

Se liga aqui na letra de 7 a 1, por exemplo, que faz referência ao já icônico massacre futebolístico da Alemanha sobre o Brasil para lembrar do real massacre que o povo brasileiro vive no dia a dia.

“Preconceito e ignorância, nós é campeão
Desrespeito e violência com base na religião
O jovem racista é o orgulho da nação
Pra pobre e favelado nunca tem rebelião

(…)

Eu não compus hino, eu não desenhei bandeira
(Não) Não me manifesto com essas anta patriota (não)
O velho corrupto sempre vence no final
Enquanto pra menor pedem pena capital”

“Olha, não tamo nessa há muito tempo não”, diz o guitarrista Leo. “Foi nos últimos 6, 7 anos que discutir política se tornou algo mais comum pra nós. E, além disso, ‘descobrimos’ que isso sempre foi e sempre será importante pra todas as pessoas. Nossa condição de vida e desenvolvimento como sociedade depende da participação de todos na discussão política”. Ele diz que, ah vá, represália sempre tem e nem sempre é fácil lidar com isso. “Nem sempre dá simplesmente pra ignorar”. Sei bem como é, do lado de cá também. Tamo junto.

Agora, no caso do Surra, que navega entre o punk e o metal, a coisa deve estar feia porque, não que isso talvez fosse uma SURPRESA, mas de qualquer forma, da mesma maneira que está acontecendo em outros segmentos da sociedade, a gente tá vendo uma galera no meio rock e, principalmente, nos meios do punk e do metal, se revelando uns belos de uns reaças escrotos. Digamos que não seja preciso dar nomes aos bois, mas… “É, isso entristece bastante e acho que o fato de não ser mais surpresa só piora”, confirma Leo.

Para ele e também para o restante do grupo, as pessoas têm que se responsabilizar pelas suas posições. “Mas é importante entender também que o cenário musical (oS cenárioS, talvez?) não é nenhuma bolha impermeável que não se deixa atingir pelo que existe na sociedade. Nenhum de nós tá livre de reproduzir pensamentos e atitudes presentes na cultura dominante. O trabalho é continuar se informando e debatendo pra não cair nessas aí!”. Fato.  

Para uma banda que vive muito de estrada e acabou sendo reconhecida pelos shows particularmente cheios de energia (basta ouvir o recém-lançado Escorrendo pelo Ralo – Ao Vivo em São Paulo para entender o que eu quero dizer), o Surra foi duramente impactado pela covid-19, claro. “A pandemia abalou principalmente duas turnês que tínhamos marcadas para esse ano”, diz Guilherme. “Tocaríamos no Abril Pro Rock e faríamos uma turnê no Nordeste. Agora em setembro, iríamos fazer uma turnê no Sul e faríamos os shows no Uruguai e Argentina”.

Antes da pandemia, eles tinham o instrumental de cinco sons já gravados para um EP de inéditas – a ideia é finalizar os vocais e lançar o material ainda esse ano em parceria com a Läjä Records. Mas antes disso, rolou um EP de quatro sons “inusitados”, com covers de bandas da Baixada Santista. Com o título de Expropriando Sua Fábrica, o álbum tem uma capa MARAVILHOSA que é homenagem explícita ao Charlie Brown Jr.

“Também já estamos trabalhando em novas composições para um possível terceiro álbum em 2021”, conta Guilherme, que no entanto revela que os caras são mesmo gente como a gente. “Tentamos utilizar um pouco da tecnologia a nosso favor para continuar as composições, mas falhamos miseravelmente”, conta. “Preferimos prezar pela nossa saúde mental para tentar sobreviver à pandemia. Nossos encontros virtuais são mais focados em falar merda do que efetivamente para trabalhar em letras e riffs”.

Definitivamente, hoje não tem banda que seja mais a cara do Brasil. Ainda bem.